Ibn Arabi – O livro da filiação espiritual

EL LIBRO DE LA FILIACIÓN ESPIRITUAL
(Traductor: Ângel Almazán de Gracia; segue algumas de suas anotações)

O texto de Ibn Arabi deixa claro que os rituais de iniciação em ordens esotéricas regulares não têm utilidade se não houver qualificação pessoal necessária para que a baraka (influência espiritual) da iniciação seja eficaz no iniciado. E essa qualificação implica um certo comportamento, que é desenvolvido de várias maneiras, e que Ibn Arabi reúne, coleta, aglutina ou inclui em uma “vestimenta”, um “manto”, um khirqa genérico e essencial (hirqa ou khirqa), chamado “a vestimenta da piedade” (“labisa al-khirqa”).

[…]

A iniciação é o ritual que dá início a um Caminho espiritual esotérico a ser seguido em uma ou várias “cadeias iniciáticas regulares” determinadas. Mas para que o potencial se torne um ato, é necessário ter “a vestimenta da piedade”, e isso implica ser um “homem bom”, orar e ter relações constantes e íntimas com o Senhor, ser um vassalo Dele e um zeloso guardião da “excelência” em seu comportamento como membro da Cavalaria Espiritual, a única Cavalaria à qual, no que nos diz respeito, esperamos um dia pertencer.

C. Addas observa que, no prólogo, Ibn Arabi destaca um de seus mais profundos “motivos” esotéricos: a ascensão a Deus ou mi’raj. Isso é seguido pela alusão à assunção humana dos Nomes de Deus (teomorfose). Nos fundamentos do Alcorão, ele não fala do pacto primordial de Hudaybiyya, mas se concentra na “vestimenta da piedade” como o protótipo da hirqa, e relembra o hadith qudsi sobre o coração do Servo de Deus como a habitação de Deus, e que ele adota como sua vestimenta, sua hirqa (que é o próprio fundamento da investidura da hirqa, como Ibn Arabi afirma categoricamente).

Da mesma forma, revestir-se com os Nomes de Deus é o trabalho iniciático a ser realizado e, para isso, entre outras coisas, deve-se agir como um “homem bom”, realizando aquela série de prescrições exotéricas e esotéricas que compõem as qualificações necessárias para a investidura da hirqa, prescrições que têm como fonte original um excelente Nome de Deus, Rahma, a Misericórdia, por meio do qual tudo o que é criado por Deus existe. Da mesma forma, tais prescrições refletem a adoção de outros Nomes de Deus (além de Rahma) por aquele que executa tais comandos, e é aí que reside, a nosso ver, o fundamento esotérico das ações exotéricas da sunna islâmica e, no que nos diz respeito e no que estamos tratando agora, os atos virtuosos que surgem da “vestimenta da piedade”. Essa assunção gradual dos mais belos Nomes de Deus deixa clara, pelo menos para nós, a relação entre esoterismo e exoterismo, ao mesmo tempo em que nos lembra do ditado de São Paulo de que a sem atos é uma morta ou, em termos gnósticos: o conhecimento teórico sem a “vestimenta da piedade” é insuficiente e não permite a “ascensão através dos sete céus… e além”.

 

Ibn Arabi (1165-1240)