Ibn Arabi (IAPC) – A Produção dos Círculos (apresentação de Maurice Gloton)

O tratado inteiro, que ocupa trinta e quatro páginas na edição original, consiste em um preâmbulo e dois capítulos (façl). O segundo capítulo é subdividido em quatro seções (bab), cada uma das quais contém uma tabela. Para tornar a estrutura do texto mais clara, tomamos a iniciativa de introduzi-las com títulos significativos, que listamos abaixo:

Introdução

A nobreza do homem em sua constituição perfeita.

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

  • Categorias de existência.
  • O homem como o totalizador das categorias existentes.
  • Diagrama 1: transcendência e imanência.
  • Diagrama 2: matéria primordial
  • Tabela 3: Grau de Presença Divina ou Nomes Divinos.
  • Causa da Gênese do Mundo e de seu desenvolvimento e diagrama correspondente nº 4
  • Os Guardiões dos Nomes Divinos prototípicos.

O tema central do tratado é o homem perfeito (Insân Kâmil), cuja forma é feita de acordo com a forma divina expressa pela criação universal que, consequentemente, inclui todas as possibilidades de Deus realizadas em todos os seus graus. O homem, considerado dessa forma, pode acessar o conhecimento divino e há uma correspondência entre os dois tipos de conhecimento: o de Deus e o do homem perfeito representado pelo Profeta Maomé. O homem é como um espelho polido que recebe a Forma divina e a reflete em sua totalidade, como o Mestre explica no início de sua famosa obra Sabedoria dos Profetas, no capítulo dedicado a Adão. É para trazer à tona todos os princípios e consequências envolvidos nesse tema central que Ibn Arabi aborda aqui alguns dos aspectos cardeais de sua obra.

Essa Relação que estabelece certa correspondência entre a Forma de Deus e a do Homem — de acordo com a notícia profética que expressa que “Deus criou Adão segundo Sua Forma” — é o Istmo (barzakh) por excelência que implica todas as outras realidades da mesma ordem, mas que pode ser resumida em apenas uma, analisada longamente neste tratado: “a Terceira Coisa” (al-shay’ al-thâlith), que vertemos em nossa tradução como “a terceira modalidade de existência” encontrada na Estrutura Universal Divina e que, de acordo com as noções usadas pelo Shaykh al-Akbar, não é manifesta nem imanifesta, é eterna e adventícia. Essa Terceira Modalidade de Ser, ou Realidade Intermediária, estabelece a relação e a correspondência que são mantidas entre Allah em Sua Função Divina e o Homem Universal (al-Insân al-Kâmil), de acordo com o ponto de vista que o autor deseja destacar no contexto de sua imensa obra; ela será apresentada sob vários nomes, sendo os principais os Nomes Divinos (al-Asmâ’ al-Ilâhiyya), as Essências ou Determinações Essenciais ou as Realidades Imutáveis (al-A’yân al-Thâbita), a Nuvem (al-‘Amâ), o Sopro do Amor Todo-Radiante (Nafas al-Rahmân), o Real através do qual a Criação existe (al-Haqq al-makhlûq bi-Hi), a Natureza (al-Tabî’a), a Matéria ou Substância primordial (Mâdda ûlâ), o Hylé (al-Hayûlâ), a Realidade das realidades (Haqîqat al-haqâ’iq), a Realidade Maometana, o Tipo dos tipos (Jins al-ajnâs) e muitas outras denominações. Embora algumas das expressões usadas por Shaykh al-Akbar para definir os temas fundamentais contidos nesse tratado e, de modo mais geral, o vocabulário técnico empregado em seus vários escritos, já tivessem sido usadas por certos filósofos metafísicos, como Aristóteles, Platão ou Plotino, ou pelos primeiros teólogos ou místicos muçulmanos, elas não foram simplesmente emprestadas. Em vez disso, em sua obra inspirada, que sempre foi ortodoxa, nunca convencional, e na perspectiva doutrinária islâmica e universal que ele desenvolveu, elas devem ser vistas como a expressão da Realidade de Deus em Si mesmo, que se manifesta em Sua Obra, uma Realidade à qual os homens de verdadeira ciência e conhecimento se referem, independentemente do tempo e do lugar em que Deus os dispôs para serem os intérpretes autênticos de Sua Sabedoria perfeita e de Sua Revelação permanente.

Para abordar esses temas essenciais, Ibn Arabi explica o que são a Existência (wujûd), a Não-Existência (‘adam) e o Conhecimento (‘ilm ou ma’rifa). A fim de situar melhor essas noções desenvolvidas no corpo do tratado, parece-nos essencial defini-las citando algumas passagens características da obra do Mestre, extraídas de alguns de seus outros escritos.

Nesta introdução, analisaremos alguns desses temas e como eles se encaixam na perspectiva metafísica e cósmica do Mestre. Nosso plano será o seguinte:

– O que se deve entender pelos termos wujûd e ‘adam e as várias maneiras de compreendê-los e traduzi-los de acordo com as diferentes posições doutrinárias dominantes, tanto no pensamento islâmico quanto no campo cultural ocidental onde foram estudados, no mundo grego e no início do período de traduções de certas obras de origem platônica, aristotélica e neoplatônica?

– Os diferentes aspectos do Absoluto de acordo com sua diferenciação em modos manifestos e não manifestos.

– O lugar do homem e seu conhecimento de Deus e do universo.

 

Ibn Arabi (1165-1240), Maurice Gloton