DA SABEDORIA DA INSPIRAÇÃO DIVINA NO VERBO DE SETH (cont.)
Deus é portanto o Espelho no qual tu te vês a ti-mesmo, como tu és Seu espelho no qual Ele contempla Seus Nomes (certas edições do texto adicionam: “e seus princípios”). Ora, estes não são nada além de Ele-mesmo, de sorte que a realidade se inverte e se torna ambígua. Alguns de nós implicam em seu conhecimento (de Deus) a ignorância e citam a este respeito a palavra (do califa Abu Bakr): “Apreender que se é impotente para conhecer o Conhecimento é um conhecimento.” Mas há entre nós alguém que conheça (verdadeiramente), e não pronuncie estas palavras; seu conhecimento não implica uma impotência para conhecer; ele implica o inexpressável; e é este último que realiza o conhecimento o mais perfeito de Deus.
Ora, este conhecimento só é dado ao Selo dos enviados de Deus — khatim ar-rusul — [título do profeta Maomé enquanto último dos legisladores inspirados por Deus], e ao Selo dos santos — khatim al-awliya — [O papel de “Selo dos profetas” corresponde a uma função cíclica aparente, enquanto que a função de “Selo dos santos” é necessariamente intemporal e oculta; ela representa o protótipo da espiritualidade, independentemente de toda “missão” — risalah —]; nenhum dos profetas e dos enviados somente a recolhe no tabernáculo (mishkat) do enviado que seu selo. Por outro lado, nenhum dos santos não a recolhe a não ser no tabernáculo do santo que é seu selo; de sorte que os enviados também recolhem este conhecimento, na medida que a recolhem, no tabernáculo do Selo dos santos, pois a função do enviado de Deus e esta de profeta — entendo a função profética enquanto comporta a promulgação de uma lei sagrada — cessam, enquanto que a santidade não cessa jamais; deste fato, os enviados só recebem este conhecimento, enquanto são eles também santos, do tabernáculo do Selo dos santos. Desde o momento que assim é (para os enviados e para os profetas), como seria de outro modo para os outros santos? E isto é verdadeiro, embora o Selo dos santos se conforme a lei sagrada dada pelo Selo dos profetas; isto não implica em qualquer prejuízo a seu nível espiritual e não retira nada ao que acabamos de dizer; pois é possível que ele seja inferior a um certo ponto de vista, mesmo sendo superior a outro ponto de vista. O que entendemos por isto se encontra confirmado, na história de nossa religião, pela preferência (devida a uma revelação anterior) do juízo de Omar (sobre aquele do Profeta) no que concerne o tratamento dos prisioneiros quando da batalha de Badr, (o profeta querendo aceitar um resgate por eles, enquanto Omar aconselhava a libera-los ou a condena-los; do mesmo modo, ela se manifesta no episódio concernente a fertilização da palmeira de tâmaras (onde o conselho do Profeta, perdeu-se, o que lhe fez dizer: “Sois mais especialistas que eu nos negócios de seu mundo daqui de baixo”) Não é necessário que o perfeito ultrapasse os outros sobre todas as relações; mas os homens espirituais consideram apenas a superioridade sob a relação do conhecimento de Deus; quanto às existências efêmeras, seu espírito não se liga. — Realize portanto aquilo que acabamos de expor.
Quando o Profeta compara a função profética a um muro de tijolos quase terminado e onde só faltaria um tijolo, ele identifica-se ele-mesmo a este tijolo1. Logo ele só viu, como o afirma, o lugar de um único tijolo a ser preenchido. Ora, o Selo dos santos terá uma visão análoga; somente, ele perceberá, nisso que o Profeta simbolizou por um muro inacabado, o lugar de dois tijolos a preencher; os tijolos dos quais o muro é construído lhe aparecerão de ouro e de prata, e os dois tijolos faltando ainda para completar a construção serão um tijolo de ouro e um tijolo de prata; e o Selo dos santos verá a si-mesmo corresponder ao lugar que deverão ser preenchidos este dois tijolos para completar o muro. A razão pela qual ele se vê sob a forma de dois tijolos é que ele adere exteriormente à lei dada pelo selo dos enviados — o que corresponde ao tijolo de prata — e que ele busca interiormente em Deus aquilo mesmo que, segundo sua forma aparente, apresenta-se como uma adesão à lei que o precedeu; pois ele vê necessariamente a ordem divina (al-amr) tal qual é — e é isto que corresponde ao tijolo de ouro, símbolo de sua natureza interior — posto que o Selo dos santos busca da mesma fonte onde buscou o Anjo que inspirou o enviado de Deus2. Se compreendes isto a que faço alusão, atingistes a ciência plenamente eficaz.
Todo profeta, sem exceção, desde Adão até o último, busca portanto (suas luzes) no tabernáculo do Selo dos profetas; se a argila deste último foi formada segundo àquela dos outros, ele não estará nela menos presente por sua realidade espiritual, em conformidade com a palavra (de Maomé): “Eu fui profeta quando Adão ainda estava entre a água e a argila”. Qualquer outro profeta só se tornou tal quando foi desperto para sua função. Da mesma maneira, o Selo dos santos era santo, “quando Adão ainda estava entre a água e argila”, enquanto que os outros santos só se tornaram santos depois de terem realizado as condições da santidade, que são a assimilação das Qualidades divinas decorrentes do aspecto de Deus que se exprime por Seus Nomes o Santo, o Louvado (al-wali, al-hamid, est último designando o protótipo das qualidades positivas do criado). O Selo dos enviados se associa portanto, com relação a sua santidade, ao Selo dos santos, da mesma maneira que os outros enviados e profetas se associam à ele. Pois ele é ele-mesmo simultaneamente o santo (al-wali), o enviado (ar-rasul) e o profeta (an-nabi). Quanto ao Selo dos santos, ele é o santo, o herdeiro (al-warith) que busca na origem, aquele que contempla todos os níveis…
“Minha figura entre os profetas é assim: um homem construiu um muro, ele o terminou, salvo que nele falta um só tijolo; sou eu este tijolo; depois de mim não existirá mais enviado (rasul) nem profeta (nabi).” Hadith do Profeta ↩
Cf. a palavra de Cristo: “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.” (Jo 8:58) ↩