O Mâyâ da terminologia hindu é a “arte” ou “magia” criativa por meio da qual o mundo dos fenômenos é manifestado; o Mâyâ torna-se “ilusão” somente quando a aparência não é mais entendida como tal, mas confundida com a Realidade (cf. Guénon; ‘Mâyâ’ Études Traditionnelles, 1947, e Schuon: ‘Sur les traces de Mâyâ’, id., 1961). A deusa Kâlî é frequentemente representada nua para mostrar que está livre de seu próprio Mâyâ.
Deus é a Essência simples; Mâyâ é Seu poder de polarizar em dualidades; o desejo se origina nesses pares por sua carência de totalidade, carência essa que é exacerbada pelo mesmo Mâyâ em uma atração crescente pela contraparte agora desconhecida e, portanto, exótica — seguindo uma escala descendente de manifestação. No grau de seu afastamento do Princípio, essas dualidades sucessivas geram desejos que se tornam cada vez mais urgentes e, por fim, rudes; ao passo que, inversamente, os desejos se purificam e sublimam na direção ascendente em direção ao Princípio, à medida que as dualidades são superadas, universalizadas e, por fim, extintas em sua única Essência unificadora.
A individualidade é motivada e perpetuada pelo desejo; e a causa de todo desejo é a “ignorância” (avidyâ), — pois “ignoramos” que os objetos de nosso desejo nunca podem ser possuídos em qualquer sentido real da palavra, ignoramos que, mesmo quando temos o que queremos, ainda “queremos” mantê-lo e ainda estamos “em falta”. A ignorância em questão é das coisas como elas realmente são, e a consequente atribuição de substancialidade ao que é meramente fenomenal; a visão do Eu no que não é o Eu” (Coomaraswamy: Hinduism and Buddhism, p. 62).
Na iconografia de Shiva, o demônio sobre o qual ele pisa é chamado de “a pessoa da amnésia” (apasmâra purusa)” (Coomaraswamy: ‘Recollection, Indian and Platonic Supplement to the Journal of the American Oriental Society, Vol. 64, no. 2, p. 13).
Na cosmologia metafísica islâmica, seguindo ‘Abd al-Karîm al-Jîlî, “a palavra al-wahm designa a faculdade de conjecturar, a imaginação ativa ou o poder da ilusão, que representa o poder cósmico mais indiscutível que o homem recebeu por empréstimo, pois manifesta a tendência demiúrgica atraída por toda possibilidade ainda não esgotada” (Titus Burckhardt: De l’Homme universel, pp. 20, 21).
A verdade, entretanto, permanece mais invencível do que a ilusão, física, psíquica e espiritualmente. A ilusão não é uma segunda realidade, mas simplesmente a Realidade velada ou distorcida. O fato de um desejo poder ser saciado prova a existência da Realidade; o fato de ele poder se manifestar prova a existência da ilusão; o fato de ele só poder ser resolvido finalmente na Verdade prova que toda a sua realidade fenomenal vem da Verdade.
A vida é a travessia de um sonho cósmico e coletivo por um sonho individual, uma consciência, um ego. A morte extrai o sonho particular do sonho geral e arranca as raízes que o primeiro afundou no segundo. O universo é um sonho tecido de sonhos; somente o Ser está desperto.
A homogeneidade objetiva do mundo prova, não sua realidade absoluta, mas o caráter coletivo da ilusão, ou de tal ilusão, ou de tal mundo” (Schuon: Perspectives spirituelles, p. 228). [TTW]