Ato, ação: substantivo neutro em sânscrito, da raiz KR-, fazer.
Nas considerações que se seguem há de se fazer atenção ao risco de um entendimento literal, que passa pela leitura habitual onde sempre se tem em mente uma preservação da individualidade humana na morte; René Guénon e especialmente Ananda Coomaraswamy alertam para esta incorreta interpretação (tão “clara” para os reencarnacionistas), quando se leem textos como os acima citados; recomendo a reflexão do ensaio de Coomaraswamy, O ÚNICO TRANSMIGRANTE. A constituição da individualidade humana e seu destino póstumo (Vida após a morte) deve ser compreendido de modo justo para que se possa devidamente apreciar estas colocações sobre o carma.
Pierre Gordon: LE KARMA, D’APRÉS LE JAÏNISME; LE KARMA, D’APRÉS LE PLUS ANCIEN BRAHMANISME; COMMENT L’INDE A FAUSSÉ LES CONCEPTIONS INITIATIQUES PRIMORDIALES
Para apreender a noção de Karma na plenitude de sua verdade, convém se reportar ao cosmos visto como dinamismo. É, com efeito, neste universo de radiância que toda ideia se realiza instantaneamente, e que todo ato de volição é de pronto sancionado; é sancionado pelo único fato que o Eu, em seu mundo de cristal, obtém o que escolheu ter. Sua recompensa ou seu castigo é a possessão do objeto pelo qual optou. É desta maneira que o super-homem, primeiro homem, em recusando ao Ser o dom total de si e em se querendo ele mesmo isoladamente, teve satisfação prontamente; buscou a existência aparte que desejava: nosso aprisionamento espaço-temporal nada mais é que esta opção em ato. Vemos aí um exemplo completo da lei do Karma.
O que é errado, é aplicar sem nuances esta mesma lei no seio do cosmos fenomenal, onde a interposição do tempo e do espaço retarda jogo, e permite frequentemente dissimular com valores as consequências incômodas. Produz-se, além do mais, uma espécie de «caixa de compensação», graças à qual um Eu beneficia de compensações, devidas a outras pessoas. Não precisamos insistir nestes problemas. Convinha portanto mencioná-los neste estudo: a antiguidade pagã não ignorou as influências invisíveis; mesmo os mortos podiam ser socorridos pelos viventes.
Para fazer plenamente entender o que é o Karma hindu, conviria, além do mais, precisar as noções relativas à transmigração e à metempsicose (ou a metensomatose). Insistimos sobre a transmigração sob forma humana e principalmente sobre a transmigração familial. No que concerne o renascimento sob forma animal, demonstramos que constitui, frequentemente, não uma degradação, mas uma promoção ao nível divino. Para alguns grupos sociais, por exemplo, a metempsicose é um privilégio, reservado aos chefes e aos feiticeiros. No princípio da metempsicose se encontra indubitavelmente, a sacralização neolítica por revestimento de um despojo animal, revestimento que integrava o homem na sobrenatureza sob o aspecto de um animal transcendente. Se tornar um animal, era portanto se tornar um deus. Em seguida, quando os homens-animais, por causa de seu papel frequente de tormentadores nos ritos iniciáticos, foram relegados ao nível de demônios ou de fantasmas, se transformar em animal se tornou, por desvio dos conceitos anteriores, um decadência. Mas eis aí uma ideia tardia, que não prevaleceu senão em número restrito de povos.
Iamblichus: VEÍCULO DA ALMA
Deve-se justamente refletir sobre a constituição do ser humano como “agregado” de partes psíquicas, em um corpo, cujas ações determinam a perspectiva de cada uma destas partes, inclusive sua união com o “Único e Só Transmigrante”, como veículo da alma.