Cada palavra da khutba [da Futuhat de Ibn Arabi] exigiria longos desenvolvimentos que não têm lugar aqui. Podemos apenas dar um vislumbre da extrema densidade do texto e apontar que, desde as primeiras linhas, as ideias fundamentais aparecem, embora de forma discreta. Uma discrição relativa, aliás, como mostra esta formulação inequívoca um pouco mais adiante: “Se Ele fala ao Seu servo, é Ele que é também o ouvinte e o escutado; se [o servo] faz o que Ele ordenou, é Ele que é obedecido e o obedecedor”. Essa declaração é imediatamente seguida pelo famoso dístico (Al-rabb haqq wa l-‘abd haqq…) que indignou Ibn Taymiyya e muitos polemistas depois dele: o autor aplica a mesma palavra haqq, que pode ser traduzida como “Verdade”, “Realidade” ou simplesmente “Deus”, ao Senhor e ao servo. O dístico continua dizendo “Quisera Deus que eu soubesse quem está sujeito à obrigação legal (al-mukallaf)! Se você disser: é o servo, o servo está sem vida. Se você disser que é o Senhor, de quem vem a obrigação? Essa declaração era duplamente blasfema aos olhos dos doutores da lei, pois afirmava a identidade do Senhor e do servo (‘abd) e, ao mesmo tempo, parecia questionar o próprio fundamento da lei sagrada. Hulûl (encarnacionismo), ibâha (antinomianismo), essas acusações tão frequentemente levantadas contra Shaykh al-Akbar parecem encontrar sua prova nessa breve passagem. E ainda estamos apenas na metade da primeira página dos quatro grandes volumes do Futuhat… Uma alusão ao eco (al-sadâ) estende simbolicamente o que acabou de ser dito. Em outras partes da obra — mas também, em particular, no início dos Fusûs — Ibn Arabi recorrerá a um símbolo análogo, o do espelho que envia um eco óptico, assim como o retorno do eco é um reflexo acústico: Deus se vê no espelho do homem e, inversamente, o homem, se ele desfizer a ilusão de sua autonomia ontológica, descobre que ele não é nada mais do que um reflexo no espelho da Realidade divina. Daí o paradoxo da Lei: “Eu Lhe agradeço com a gratidão de quem percebe que é por meio da obrigação legal (al-taklîf) que o Nome Al-Ma’bûd (equivalente a Al-Rabb, o Soberano, o Senhor) se manifesta e que é por meio do que é coberto pela fórmula “Não há força e poder exceto por meio de Deus” que a Generosidade (al-jûd) se manifesta. Pois se o Paraíso fosse a recompensa por suas ações, como se poderia falar de generosidade?” O Senhor (rabb, ma’bûd) não existe como tal a menos que haja um servo (‘abd) sujeito ao Seu comando. Portanto, a Lei é necessária. Mas, como o Alcorão afirma no versículo 37: 96, “Deus vos criou e o que fazes”, o ato de obediência do ‘abd pertence a Ele apenas na aparência. A recompensa prometida ao servo obediente não é uma recompensa, mas um presente. [MCFutuhat]
khutba [doxologia] (Chodkiewicz)
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