Sobre os sentimentos sinceros de carinho, amor e gratidão de Corbin em relação a Jung, veja, por exemplo, a carta que ele escreveu a Olga Fröbe-Kapteyn, datada de 4 de janeiro de 1950 (FC, AJ165, R. Bernardini, Historia religionum 5, 2013, 101); Du 15/4 (abril de 1955) 29 = HC 262; sua carta a Fröbe-Kapteyn, datada de 11 de junho de 1961 (FC, Bernardini 107); C.G. Jung, Resposta a Job (Paris 1964) 255 = AJ 155. Mas um sinal claro de como ele se cansou de toda a questão de Jung no final de sua vida, e de como sua sensibilidade ficou abalada devido ao abuso constante de seu termo “imaginal” por Hillman em particular, é a reclamação que Corbin fez pouco antes de morrer de que os psicólogos junguianos são totalmente incapazes de distinguir, conforme necessário, entre a verdadeira natureza visionária do imaginal e a autoindulgência inútil do imaginário (HC 49, repetido, por exemplo, por C. Jambet, La logique des Orientaux, Paris 1983, 40-4). A grande ironia aqui é que a pessoa que, com sua redescoberta da diferença fundamental entre a verdadeira e a falsa imaginação, deu o impulso mais poderoso para a própria distinção de Corbin entre o imaginal e o imaginário foi ninguém menos que Carl Jung. O próprio Corbin, durante anos, esteve perfeitamente ciente disso (ver, por exemplo, EJ17, 1949, 146 com n.33, 148 com n.39; ARV iii 74 n.48; SB 11 com 274 n.24) — embora tenha se tornado muito fácil, graças às direções em que a psicologia junguiana acabou avançando, esquecer que “de fato, tanto Jung quanto Corbin distinguiram entre uma forma ‘genuína’ de imaginação e uma forma ‘ilusória’” (Bernardini, Jung a Eranos, Milão 2011, p. 139). E o quanto Jung e Corbin estavam próximos um do outro em sua compreensão interior sobre esse assunto pode ser demonstrado simplesmente com um dos vários exemplos possíveis. Assim, por exemplo, nada pode soar mais estranho aos interesses ou ao estilo de Carl Jung do que a ênfase dada por Henry Corbin à ideia tradicional de que somente por meio da ligação com a consciência pura, conhecida pelos gregos antigos como noûs, a imaginatio vera ou verdadeira imaginação pode oferecer acesso total às realidades proféticas (Nouvelles de l’Institut catholique de Paris, fevereiro de 1977, 189-91 = L’Iran et la philosophie, Paris 1990, 135-9). Mas enquanto Corbin estava ocupado lendo seus textos persas, Jung estava ocupado lendo textos gregos antigos; e isso inclui o texto extremamente difícil de Jâmblico Sobre os mistérios. De fato, ele foi capaz de ler partes do texto no grego original, algo que pouquíssimas pessoas hoje em dia são capazes de fazer, e houve uma passagem específica que chamou sua atenção. Ele marcou cuidadosamente o lugar em que Jâmblico aborda o assunto da fantasia ou imaginação humana comum apenas para acrescentar que “nenhuma dessas fantasias é despertada quando a vida da consciência dentro de nós está totalmente ativada” (phantasia d’oudemia egeiretai tes noeras zoes teleios energouses: De mysteriis 10.2). No topo de seu marcador de papel, claramente inserido para lembrá-lo desse parágrafo específico em que Jâmblico faz distinção entre a faculdade humana normal de imaginação e o estado de consciência pura ou noûs que existe muito além dela, Jung escreveu as duas palavras imaginatio vera. E ele também colocou outro marcador de página mais adiante no mesmo volume, em um ponto em que o editor inglês acrescentou algumas palavras de comentário explicativo sobre essa mesma passagem: “Os ritos de iniciação culminam em uma visão de grandes coisas” (isto é, de deuses e coisas divinas). Porfírio sugeriu que as coisas que os homens veem em tais visões não são realidades, mas são meramente fantasmas produzidos por sua própria imaginação. Abammon nega isso. Nos homens que têm essas visões, não é a phantasia ou a imaginação comum, diz ele, mas o noûs ou a consciência pura que está em ação; e o noûs não produz fantasmas, mas apreende ‘as realidades que realmente são’.” O primeiro marcador de página foi colocado por Jung em sua própria cópia do Hermetica de Walter Scott (iv, Oxford 1936) nas páginas 36-7 (sou muito grato a Vreni Jung por confirmar que as duas palavras no topo do marcador estão de fato na caligrafia de Carl Jung); o segundo foi inserido nas páginas 88-9. Os comentários de Gregory Shaw (Dionysius 21, 2003, pp. 75-6) sobre as dicotomias quase idênticas entre a verdadeira e a falsa imaginação, conforme apresentadas tanto por Jâmblico quanto pela psicologia junguiana, precisam de uma atualização significativa à luz do fato de que o próprio Jung estava, não apenas provavelmente, mas comprovadamente, lendo Jâmblico.
Kingsley (Catafalque:Notas) – noûs e phantasia
KINGSLEY, P. Catafalque: Carl Jung and the end of humanity. London: Catafalque Press, 2018.
TERMOS CHAVES: imaginal