Incontáveis, organizadas, laboriosas, disciplinadas, infatigáveis, as ABELHAs não se diferenciariam das formigas, como elas símbolos das massas submetidas à inexorabilidade do destino (homem ou deus) que as acorrenta, se, além disso, não tivessem asas e canto, e não sublimassem em mel. Imortal o frágil perfume das flores. É quanto basta para conferir elevado alcance espiritual ao seu simbolismo, paralelamente ao temporal. Operárias da colmeia, que se pode comparar com maior propriedade a um alegre ateliê do que a uma sombria usina, as ABELHAs asseguram a perenidade da espécie. Mas, quando consideradas individualmente, na qualidade de animadoras do universo entre a terra e o céu, podem também simbolizar seu principio vital, materializar a alma. Nesse duplo aspecto — coletivo e individual, temporal e espiritual — é que consiste a riqueza de seu complexo simbólico por toda parte em que é testemunhado. Ao comentar Provérbios, 6, 8: Vá observar a ABELHA e aprenda como ela é laboriosa, São Clemente de Alexandria acrescenta: Pois a ABELHA se serve das flores de um prado inteiro, para com elas fabricar um só mel (Stromates, 1). Imitai a prudência das ABELHAs, recomenda Teolepto de Filadélfia, citando-as como exemplo na vida espiritual das comunidades monásticas.
Para os nosairitas, heresiarcas muçulmanos da Síria, Ali, leão da Alá, é o príncipe das ABELHAs, as quais, de acordo com certas versões, seriam os anjos, e, segundo outras, os crentes: os verdadeiros crentes assemelham-se às ABELHAs, que escolhem para si as melhores flores.
Na linguagem metafórica dos dervixes Bektachi, a ABELHA representa o dervixe e o mel é a divina realidade (o Hak) por aquele . buscada. Da mesma maneira, em certos textos da fndia, a ABELHA representa o espírito que se embriaga com o pólen do conhecimento.
Personagem de fábula para os sudaneses e para os habitantes situados dentro da curva do rio Níger, ela já é símbolo da realeza na Caldeia, muito antes de ser glorificada pelo Primeiro Império francês. Esse simbolismo da realeza ou do império é solar, tal como atesta o antigo Egito, por um lado associando-o ao raio e, por outro, declarando que a ABELHA teria nascido das lágrimas de Rá, o deus do Sol, ao caírem sobre a Terra.
Símbolo da alma, a ABELHA é por vezes identificada com Deméter na religião grega, em que pode simbolizar a alma descida aos infernos; ou então, ao contrário, materializar a alma saindo do corpo. Pode-se reencontrá-la na Caxemira e em Bengala, em numerosas tradições indígenas da América do Sul, como também na Asia Central e na Sibéria. Finalmente, Platão afirma que as almas dos homens austeros reencarnam-se sob a forma de ABELHA.
Figuração da alma e do verbo — em hebraico, o nome da ABELHA, Dbure, vem da raiz Dbr, palavra —, é normal que a ABELHA desempenhe também um papel iniciático e litúrgico. Em Elêusis e Éfeso, as sacerdotisas são chamadas de ABELHAs. Virgílio exaltou suas virtudes.
Encontramo-las representadas nos túmulos como sinais de sobrevivência além-mor-te, pois a ABELHA torna-se símbolo de ressurreição. O inverno (três meses), durante o qual parece desaparecer, pois não sai de sua colmeia, é comparado ao período (três dias) durante o qual o corpo do Cristo fica invisível, após sua morte, antes de reaparecer ressuscitado.
A ABELHA simboliza, ainda, a eloquência, a poesia e a inteligência. A lenda sobre Píndaro e Platão (ABELHAs teriam pousado sobre os lábios de ambos, quando ainda crianças de berço) é repetida com relação a Ambrósio de Milão: as ABELHAs roçam-lhe os lábios e penetram em sua boca. O conceito de Virgílio, segundo o qual as ABELHAs encerram uma parcela da divina Inteligência, permanecia vivo para os cristãos da Idade Média. Reencontra-se então o valor simbólico do zumbido, verdadeiro canto da ABELHA.
Um sacramentário gelasiano faz; alusão às extraordinárias qualidades das ABELHAs que extraem o pólen das flores roçando-as apenas, sem tirar-lhes o viço. Elas não dão à luz; graças ao trabalho de seus lábios tornam-se mães; assim também o Cristo emana da boca do Pai.
Por causa de seu mel e de seu ferrão a ABELHA é considerada o emblema do Cristo: por um lado, Sua doçura e Sua misericórdia, e por outro, o exercício de Sua justiça na qualidade de Cristo-juiz. Muitas vezes essa figura é evocada pelos autores da Idade Média; para Bernard de Clairvaux, simboliza o Espírito Santo. Os celtas revigoravam-se com um vinho adoçado pelo mel, e com o hidromel. A ABELHA, cujo mel era utilizado na preparação do hidromel ou licor da imortalidade, era objeto na Irlanda de estrita vigilância legal. Um texto jurídico gaélico da Idade Média declara que a nobreza das ABELHAs vem do paraíso, e foi por causa do pecado do homem que as ABELHAs teriam saldo de lá; Deus derramou sua graça sobre elas, e é por esse motivo que não se pode celebrar a missa sem a cera. Embora seja este um texto tardio e de inspiração cristã, ele confirma uma tradição muito antiga, pois seu vocabulário ainda apresenta vestígios dessa tradição (a palavra galesa cwyraiid, de cwyr, cera, significa perfeito, consumado, e o irlandês moderno céir-bheach, literalmente cera de ABELHA, designa também a perfeição). O simbolismo da ABELHA evoca, portanto, entre os celtas como também em outros lugares, os conceitos de sabedoria e de imortalidade da alma.
O conjunto de características recolhidas em todas as tradições culturais denota que por toda parle a ABELHA surge, essencialmente, como que dotada de uma natureza ígnea, como um ser feito de fogo. Representa as sacerdotisas do templo, as pitonisas, as almas puras dos iniciados, o Espírito, a Palavra; purifica pelo fogo e nutre com o mel; queima com seu ferrão e ilumina com seu brilho. No plano social simboliza o senhor da ordem e da prosperidade, rei ou imperador e, igualmente, o ardor guerreiro e a coragem. Aparenta-se aos heróis civilizadores que estabelecem a harmonia por força do saber e do gládio. (DS)