Tradução de Antonio Carnerio
Anjos dos Povos
Até o momento, obtivemos um ponto seguro em nossa análise: no judaísmo tem uma doutrina bastante antiga que designa a cada povo da terra um anjo celeste, salvo para o povo de Israel o Deus único. Esta doutrina provém da interpretação de uma passagem do Deuteronômio (32,8). Ela era já corrente na ocasião da redação da Sabedoria de Jesus Sirach e do livro dos Jubileus. Outra tradição bem antiga, que está também presente no 20º capítulo do livro etíope de Enoque e que reaparece no livro de Daniel (10,13,21), faz do arcanjo Miguel o príncipe celeste de Israel. Enfim, uma outra tradição também antiga, que provém da interpretação de uma passagem de Isaías (24,21-2), afirma que os anjos das nações serão punidos ao mesmo tempo que as nações que eles governam sobre a terra. Isto dá lugar à ideia que os anjos celestes são responsáveis pelos conflitos político-militares que têm lugar entre as nações. Da mesma maneira que a terra é o teatro das lutas entre os povos do mundo, o céu é o teatro do combate entre os anjos nacionais.
Trata-se agora de precisar a imagem que o judaísmo tardio fez dos anjos das nações.
De início, seu número estava já fixado em 72 ou 70, segundo um cômputo que os rabinos fizeram remontar de modo geral ao capítulo 11 do Gênesis, mas que na realidade, provém da divisão do ano babilônico em 72 semanas de 5 dias cada uma. Em segundo lugar, é provável que a designação dos anjos das nações os mais importantes da história do tempo era fixa. As tradições recentes afirmam que o anjo da nação é também o anjo protetor do rei. É assim que Esaú, como patriarca do povo de Edom, tem Samael por anjo protetor). A mesma tradição se encontra no livro hebreu de Enoque 16, composto durante a segunda metade do ME(sic) século d.C. Na mesma passagem, se atribui o nome de Dubbiêl ao arconte dos Persas (Sefer Hekalot 26:12)
As tradições concernentes aos anjos dos povos são em geral bastante numerosas na literatura rabínica. Elas representam interpretações dos topoi do Antigo Testamento e, como tais, se elencam sob as categorias seguintes:
1) Todos os povos da terra têm um anjo como representante celeste, salvo os judeus, cujo chefe celeste é o próprio Deus ou o arcanjo Miguel (in Septuaginta, Dt. 32,8). Assim o Testamento de Neftali em hebreu afirma que nos céus fala-se hebreu, uma vez que Abraão escolheu Deus como Senhor de seu povo, escolhendo também implicitamente a língua divina.
2) Os anjos das nações são culpados das desordens sobre a terra (Is.24,21-2). Esta ideia foi posteriormente desenvolvida no sentido que a cada guerra, o anjo assiste ao exército da nação que ele governa. Enfim, os anjos são os representantes de suas nações diante de Deus.
Nesse sentido, segundo Éléazar de Modéin (ob. 135), os anjos das nações pediram no Juízo final que Israel também seja punida, porque não foi menos idólatra e não desobedeceu menos os mandamentos de Deus que as outras nações. Uma hagada similar é atribuída à R. Jéhudah b. Shimon (c. 320).
« Quando os povos sobre a terra fazem guerra, seus príncipes celestes fazem a guerra eles também », afirma um outro escrito. Assim, anjo do Egípcio, vencido, levanta voo após a derrota do Mar Vermelho.
3) Uma última tradição combina os dados das duas primeiras com a interpretação do sonho de Jacó (Gen. 28,10-22). Segundo R. Meïr (c. 150), os anjos que sobem e descem a escada são os anjos nacionais. Jacó vê os anjos de Babilônia, dos Medas, dos Gregos e de Edom (Rome) que descem, o que significa a decadência desses povos. Samuel ben Nahman (c.260) acrescenta que a duração da dominação desses povos foi respectivamente de 70, 52 e 180 anos. No que concerne a Roma, a duração não foi determinada. Ao mesmo tempo que R. Shemuel, R. Hama b. Haninah afirma que, no episódio de Gênesis 32,22 ss., Jacó luta contra o anjo de Edom. Seu combate prefigura aquele de Israel contra Roma. Segundo a mesma tradição apresentada em 3 Enoque, o anjo e chama Samael.