Mito de Osíris

EGITO ANTIGO — MITO DE OSÍRIS

VIDE: Osíris-Ísis-Hórus
Mitologia Grega
Joseph Campbell: Excertos da tradução em português de “TRANSFORMATIONS OF MYTH THROUGH TIME”

Desejo agora apresentar o mito básico de Osíris e Ísis. Esta é Nut, a deusa do céu. De maneira exatamente oposta à da Mesopotâmia, onde o deus está acima e a deusa é a terra, temos aqui a deusa do céu, Nut, constelada de estrelas; e eis o seu consorte, Hem, o deus da terra. É o senhor do abismo cósmico, do qual tudo saiu. Viajando no barco celestial, o grande barco de Ra, deus do sol, as almas que se encontram nessa barcaça percorrem o firmamento e, em vez de descer, penetram na boca de Nut e então nascem no Oriente. O senhor do ar separa o céu e a terra. Trata-se de temas míticos básicos, que ocorrerão em muitas outras mitologias. Os primeiros filhos de Hem e Nut são Ísis e Osíris. A deusa Ísis é o trono onde se senta o faraó. Osíris é seu irmão gêmeo. São marido e mulher. O irmão e a irmã mais novos são Set e Néftis, que também são marido e mulher. Ora, uma bela noite, Osíris dormiu com Néftis, julgando que ela era Ísis. Tal acidente significa falta de atenção a detalhes, e disso podem advir maus resultados. Ela teve um filho, Anúbis, que tinha cabeça de chacal.

Set não gostou daquilo e planejou uma vingança. Tomou as medidas de Osíris e mandou fazer um sarcófago que se lhe ajustaria exatamente. Estava-se realizando uma alegre festa quando Set chega e declara possuir um belo sarcófago que poderia vir a pertencer a quem coubesse nele. Assim, tal como Cinderela e o sapatinho de cristal, todos experimentam o sarcófago. Quando Osíris entra nele e se ajusta perfeitamente, setenta e dois criados acorrem, prendem a tampa do sarcófago com tiras de ferro e o jogam no Nilo. Osíris flutua rio abaixo, é atirado a uma praia da Síria e junto ao sarcófago cresce uma grande árvore que o envolve.

Ísis sai à procura do marido. Chega ao lugar onde Osíris está encerrado na árvore. Entretanto, o príncipe daquela cidadezinha tivera um filho. Nascera um menino e o príncipe construíra um palácio. Ficara tão encantado com o perfume provindo daquela árvore que a mandara cortar, transformando-a num pilar do palácio. Osíris, portanto, está no palácio, dentro de um pilar.

Ísis senta-se à beira do poço onde as moças do palácio vêm buscar água e elas convidam aquela bela mulher mais velha a entrar e a tornar-se a ama do principezinho recém-nascido. Ela aceita o encargo e amamenta a criança com seu dedinho. A condescendência das deusas não pode passar daí.

À noite, para conferir imortalidade à criança, Ísis coloca-a na lareira e entoa seus encantamentos. Espera-se que o fogo queime suas características mortais e o tome imortal. Enquanto isso, ela se transforma numa andorinha e, chilreando lamentosamente, voa em tomo do pilar. Ora, sucede que uma noite a mãe do menino chega repentinamente em meio a essa cena e, como se pode imaginar, põe-se a gritar. Lá está a criancinha na lareira, e ninguém a vigiá-la; há apenas uma estranha andorinha chilreando e adejando em torno de uma coluna. E urge salvar a criança do fogo, pois o encantamento havia-se quebrado e a andorinha se transforma na linda ama. Ísis, então, explica a situação da melhor maneira possível e depois diz: “A propósito, meu marido está naquele pilar. Poderiam dar-ME esse pilar para que leve meu marido para casa?” E o rei responde polidamente: “Pois não, minha querida.”

O pilar é colocado numa barcaça e no trajeto de volta, através do pântano de papiros, Ísis tira a tampa do sarcófago, deita-se sobre Osíris morto e concebe Hórus. Osíris tem agora dois filhos: um de Néftis — Anúbis, o menino-chacal — e outro de Ísis — Hórus.

Ísis receia voltar ao palácio porque Set subiu ao trono. Dirige-se ao pântano de papiros e dá à luz Hórus. Os deuses Amon e Thot vêm dar-lhe assistência.

Entretanto, tendo saído para caçar, Set, ao perseguir um javali, chega ao pântano de papiros e encontra Ísis junto ao cadáver de Osíris. Furioso, ele corta Osíris em quinze pedaços, espalha-os pelos arredores e a pobre Ísis é obrigada a ir procurá-los novamente. Desta feita ela é ajudada por Néftis e Anúbis, que fareja em derredor, e eles acabam encontrando quatorze pedaços.

O Osíris morto está associado às cheias do Nilo, que fertilizam o Egito. E os humores do corpo putrefato de Osíris identificam-se com as águas do Nilo. É ele, por conseguinte, a força fertilizante do Egito.

Os quatorze pedaços são reunidos e Anúbis, desempenhando o papel que será mais tarde assumido pelos sacerdotes, embalsama Osíris. O pedaço que falta, os órgãos genitais, fora engolido por um peixe. Tal é a origem da refeição à base de peixes nas sextas-feiras: é a forma sacramental de consumir a carne sagrada. Tendo deixado de ser um genitor, Osíris é a imagem do faraó morto e torna-se o rei do mundo inferior. O Osíris ressuscitado é agora o juiz dos mortos. Seu filho Hórus, que cresceu rapidamente, empenha-se numa grande batalha contra seu tio Set, a fim de vingar o pai. No curso da batalha, Hórus perde um olho. Esse olho simboliza a oferenda sacrifical. Graças a essa perda, ele traz seu pai de volta à vida. Set perde um testículo no combate.

Chegamos agora à cena do julgamento, extraída do Livro dos Mortos de Ani. Eis Osíris sentado no seu trono de juiz dos mortos, ao lado da água da vida eterna. Atrás dele estão suas duas rainhas, Ísis e Néftis. Ele tem nas mãos o cajado simbólico dos pastores e o açoite de joeirar, com o qual se bate o trigo para separar a palha da semente. Vemos o olho de Hórus, graças ao qual ele foi ressuscitado, e, brotando das águas da vida eterna, lá está o lótus do mundo, onde os quatro filhos de Hórus representam os quatro pontos cardeais do universo. Ao morrer, a pessoa passa a identificar-se com Osíris. Esse tema é muito importante. A pessoa morta chama-se Osíris, Osíris da Silva, digamos. Esse Osíris empreende a viagem pelo mundo inferior para unir-se a Osíris. Osíris vai ao encontro de Osíris. Eu e o pai somos um — eis o tema. A caminho, ele volta a comer todos os deuses. Quer isso dizer que os deuses são interpretados como projeções de nossas próprias energias. Nós consumimos os deuses. Em alguns casos, isto se reproduz na realidade sob a forma de canibalismo. De variadas maneiras, em outros textos, ele pode dizer simplesmente: “Minha cabeça é a cabeça de Anúbis; Meus ombros são os ombros de Set.” Vale dizer, cada órgão de meu corpo é o órgão de algum deus e, no mundo inferior, ninguém ME tirará o coração. Pode-se fazer uma ideia dos perigos do mundo inferior. “Arreda, crocodilo do norte. Arreda, crocodilo do sul.” Chega então o grande momento da abertura da boca no mundo inferior: “Eu sou ontem, hoje e amanhã. Tenho o poder de nascer uma segunda vez. Sou a fonte de onde nascem os deuses.” Esta é uma realização importante. Eis o que deve ser realizado — preferivelmente antes da morte, mas, se não, a caminho do mundo inferior.

Em seguida, no mundo inferior, chegamos à solene pesagem do coração do morto, confrontado com uma pena. Se o coração for mais pesado que a pena, um monstro o consumirá. Se a pena for mais pesada que o coração, ou se ambos se equilibrarem, a pessoa será elegível para a vida espiritual. Ani, o escriba que preparou esse papiro, está sendo levado para a pesagem. Anúbis pesa, enquanto o monstro aguarda para ver se receberá sua refeição. Thot registra os resultados. Finalmente, Hórus incumbe-se de levar Ani até o trono de Osíris. Este é um livro dos mortos, e a mitologia está explícita.