Ouroboros

UNIDADETODO — OUROBOROS

VIDE: Círculo, Dragão

Julius Evola: Excertos da «Tradição Hermética»

Mas quando se realiza o retorno a uma sensação amimada e «simbólica» daquilo que para os homens modernos se petrificou em termos de natureza morta e de conceitos abstratos por cima dela, então, dessa mesma realização deriva, ao mesmo tempo, o primeiro princípio do ensino hermético.

Este princípio é a Unidade. A fórmula que expressa esse princípio encontramo-la já na Crisopea de Cleópatra: «Um o Todohen to pan — » (v. Heráclito) que devemos assimilar a «o Telesma, o Pai de todas as coisas, está aqui» da Tábua de Esmeralda. Não se trata, portanto, neste caso, de uma teoria filosófica (hipótese da redutibilidade de todas as coisas a um princípio único), mas sim de um estado concreto, devido a uma certa supressão da lei de dualidade entre o Eu e o não-Eu e entre «dentro» e «fora», que salvo raros instantes domina a comum e mais recente percepção da realidade. Este estado é o segredo que nos textos recebe o nome de «Matéria da Obra», ou «Matéria prima dos Sábios», já que só partindo deste estado é possível «extrair» e «formar» «segundo o rito» e «a arte» — technikos — tudo quanto, quer em termos espirituais, quer em termos de aplicação operativa («em termos mágicos»), a tradição promete.

O ideograma alquímico de «Um o Todo» é Ο, o círculo, linha ou movimento que se fecha em si mesmo e que em si mesmo tem princípio e fim. Mas este símbolo, no hermetismo, exprime o Universo e, ao mesmo tempo, a Grande Obra. Na Crisopea toma também a forma de uma serpente — Uroboros — que morde a cauda, contendo, no espaço central do círculo assim formado, o «hen to pan»—. No mesmo palimpsesto encontra-se outro pantáculo formado por dois anéis, lendo-se no anel a seguinte inscrição: «Uma é a serpente que tem o veneno, segundo o duplo signo eis estin o ephis o ekon ton ion meta duo synthemata» — e lendo-se no anel exterior: «Um é o todo, por intermédio dele o todo, e para com ele o todo: se o todo não contivesse o todo, o todo nada seria.»

Este «todo» tem sido chamado também caos (o «nosso» caos) e ovo — on protogonon — porque contém indistintamente as potencialidades de todo o desenvolvimento ou geração: dorme na profundidade de cada ser e, como mito sensível — para usar a expressão de Olimpiodoro — , desenvolve-se na multiplicidade caótica das coisas e das formas dispersas aqui em baixo, no espaço e no tempo. Por outro lado, o círculo Ο do Uroboros tem também outro significado: refere-se ao princípio de «clausura» ou «selo hermético» que, metafisicamente, exprime o fato de ser estranha a esta tradição a ideia de uma transcendência unilateralmente concebida. Aqui a transcendência está concebida como um modo de ser compreendido na «coisa una» que «tem um duplo signo»: é em si mesma e ao mesmo tempo é a superação de si mesma; é identidade e ao mesmo tempo veneno, quer dizer capacidade de alteração e dissolução; é ao mesmo tempo princípio dominante (macho) e princípio dominado (fêmea) — kratousa kai kratousene — e, portanto, «andrógino». Um dos mais antigos testemunhos hermético-alquímicos é a frase que Ostano teria dado como chave dos livros da «Arte» deixados ao Pseudo-Demónio: «A natureza recreia-se na natureza, a natureza vence a natureza, a natureza domina a natureza». Mas Zósimo diz também: «A natureza fascina (terpei), vence e domina a natureza»; e acrescenta: «Os sulfúreos dominam e retêm os sulfúreos», princípio que se tornará um motivo recorrente nos desenvolvimentos ulteriores da tradição, desde a Turba Phitosophorum em diante.

De tudo isto deriva uma série de expressões simbólicas, dirigidas com o fim de indicar a absoluta auto-suficiência do único princípio em qualquer «operação»: pai e mãe para si mesmo, de si mesmo é o filho, por si se dissolve, por si se mata e por si mesmo ganha a vida. «Coisa única que contém em si os quatro Elementos e domina sobre eles», «a matéria dos Sábios», chamada também a sua «Pedra», «contém em si qualquer coisa de que temos necessidade. Mata-se por si e logo por si ressuscita. Casa-se consigo mesma, impregna-se de si mesma e resolve-se por si mesma no seu próprio sangue».