Bento de Núrsia, São (c. 480 – c. 550) O “patriarca dos monges ocidentais” foi um abade italiano algo obscuro em seu próprio tempo. Tudo o que se conhece de sua vida é derivado do segundo livro dos Diálogos do papa Gregório Magno, escritos por volta de 593-94. Natural da região de Núrsia, hoje Norcia — a data tradicional de 480 é simples conjetura — foi enviado a escolas em Roma, contudo desgostoso com a vida de deboche da capital, fugiu para Afide sem completar sua educação e daí para a solidão de Subiaco, onde adotou a vida ascética, vivendo durante três anos numa caverna. Atraiu discípulos a quem organizou em pequenas comunidades de 12 membros. Finalmente, mudou-se para Monte Cassino, onde construiu um mosteiro no topo de um cerro e que ele próprio dirigiu até morrer. Em 577, Cassino foi saqueado pelos lombardos, ficando deserto e em ruínas durante 140 anos. Foi no decorrer desse período, ao que parece, que um grupo de monges oriundos da Gália chegou a Monte Cassino, exumou o corpo de São Bento e o transferiu para a abadia de Fleury Saint-Benoêt no Loire. Os monges de Cassino negaram mais tarde esse traslado, pelo que ambos os mosteiros reivindicam a posse do corpo do santo.
A Regra de São Bento contém um prólogo e 73 capítulos, estabelecendo um plano detalhado e coerente para a organização interna e a vida cotidiana de uma comunidade monástica. A análise interna da Regra prova que ela foi compilada e ampliada ao longo de um decênio, talvez por volta de 535-545. Recentes estudos textuais mostraram que não é tão original quanto outrora se acreditou, e que Bento se apoiou substancialmente na Regra do Mestre, uma obra anônima composta na Itália uns 40 anos antes. Ambas as Regras devem muito à tradição monástica oriental, especialmente aos escritos de João Cassiano.
Embora São Bento reconheça a vocação do eremita, considera um mosteiro uma comunidade completamente cenobítica vivendo em uma casa — uma espécie de mosteiro rural — e dirigida por um pai espiritual, um abade, que é eleito pelos irmãos. Em comum com outros legisladores monásticos primitivos, ele admite que a maioria dos monges, incluindo o abade, serão leigos, sendo ordenados apenas alguns deles a fim de celebrar a Eucaristia semanal. Ele providencia para que pais doem filhos ao mosteiro a fim de serem criados como monges, prática que se tornou uma importante fonte de recrutamento na Idade Média. A Regra requer que o postulante adulto passe por um ano de noviciado antes de professar seus votos, os quais incluem uma promessa de estabilidade — permanecer na mesma comunidade até a morte. São Bento considera a pobreza pessoal e a obediência centrais para a profissão de monge. A Regra requer que o noviço renuncie completamente à propriedade de bens pessoais; tudo é propriedade comum da coletividade. Pressupõe-se que um mosteiro será sustentado por dotações na forma de terras, que serão em muitos casos cultivadas por locatários. Mas ele parece não ter previsto a grande riqueza fundiária acumulada por muitas abadias nos séculos seguintes. À semelhança de outros autores ascéticos, São Bento faz da total obediência à vontade do superior o princípio básico da vida monástica.
O mosteiro deve ser “uma escola do serviço ao Senhor”, programada para treinar na vida espiritual os que nele ingressam. Para esse fim, a Regra ocupa o dia do monge com uma rotina cuidadosamente ordenada de oração em comum, leituras e trabalhos manuais. A estrutura do dia é determinada pelas horas de culto, a que São Bento deu o nome de opus dei: as oito missas diárias cantadas no oratório monástico (o ofício divino da noite ou Vigília, o ofício das primeiras horas do dia ou Matinas, Laudes, as horas canônicas que se seguem às Matinas, Prima, a primeira das sete horas canônicas, Terça, Sexta, Nona, Vésperas e Completas, as últimas horas canônicas do ofício divino). É recomendado ao monge que evite o contato com o mundo exterior e se mantenha em clausura o maior tempo possível, mas a Regra faz da hospitalidade uma obrigação solene — o hóspede deve ser recebido como se fosse o próprio Cristo.
Embora a Regra inclua um Penitencial (lista de punições para violações da disciplina monástica), a ascese de São Bento não é excessivamente rigorosa ou cruel. Permite oito horas de sono no inverno e seis horas no verão com direito à sesta. O suprimento alimentar, se não é copioso, é adequado; a carne é proibida, exceto para os doentes, mas as refeições podem incluir uma ração moderada de vinho. A moderação da Regra de São Bento e seu detalhamento recomendaram-na aos fundadores monásticos, mas seu estabelecimento como código-padrão de observância ainda levaria algum tempo a consolidar-se. Nenhum mosteiro romano parece tê-la adotado antes do século X. Na Gália do século VII é mencionada (primeiramente em Solignac, c. 629) em conjunção com a Regra céltica de São Columbano como guia para a vida cenobítica. Essa “Regra mista” persistiu nas abadias francas até os Sínodos de Aix-la-ChapelIe, celebrados em 816 e 817, sob os auspícios do imperador Luís, o Pio, os quais prescreveram a Regra Beneditina como modelo exclusivo de observância monástica do Império Carolíngio. O agente do imperador na promoção desse modelo foi um monge oriundo da aristocracia gótica da Gália meridional que também se chamava Bento: São Bento de Aniane. (DIM)