Bruno, Giordano (1548-1600)
Nasceu em Nola e morreu queimado em Roma. Giordano Bruno representa o primeiro pensador e escritor anticristão da Idade Moderna. É considerado mártir da intolerância religiosa da Igreja e da Inquisição, e herói da liberdade e do livre pensamento. Durante o séc. XIX foi tido como o protótipo do revolucionário e do homem progressista que encontrava na Igreja seu maior inimigo. Com efeito, entre suas múltiplas preocupações, Bruno apresenta uma nota fundamental: “O amor à vida em sua potência dionisíaca, em sua infinita expansão. Esse amor à vida fez com que o claustro lhe parecesse insuportável e alentou seu ódio inextinguível a todos aqueles pedantes, gramáticos, acadêmicos, aristotélicos, que faziam da cultura um puro exercício livresco e tiravam o olhar da natureza e da vida”. Esse amor desenfreado pela vida explica, como veremos a seguir, toda a atividade e todo o pensamento de Bruno.
Tendo ingressado aos 15 anos nos dominicanos, aos 18 começou a sentir as primeiras dúvidas sobre a verdade da religião cristã; tais dúvidas obrigaram-no, primeiramente, a sair do claustro e, depois, a entrar em conflito com as autoridades eclesiásticas. Consequência disso foi sua perpétua peregrinação por Genebra, Toulouse, Paris (1576-1582). Em 1583 passou de Paris à Inglaterra, onde lecionou em Oxford e esteve em contato com a corte da rainha Isabel. Voltou a Paris em 1585 para estabelecer-se na Alemanha, ensinando em Marburgo, Wittenberg e Frankfurt. Foi detido em Veneza em 1592 e entregue à Inquisição veneziana, que, por sua vez, o entregou à Inquisição de Roma em 1593. Permaneceu na prisão durante sete anos. Não quis retratar-se de suas doutrinas e afirmava que não tinha nada por que se retratar. Foi queimado vivo no Campo dei Fiori, em Roma, no dia 17 de fevereiro de 1600. Tampouco quis reconciliar-se com o crucifixo, do qual afastou seu olhar nos seus últimos momentos.
— A obra escrita de G. Bruno aponta uma multiplicidade de temas que agitaram sua vida. Pode ser classificada no seguinte: a) A comédia O Candelabro (1582); b) Escritos lulianos: De lampade combinatória lulliana (1587); De progressu et lampade venatoria logicorum (1587), e outras nas quais segue o pensamento de R. Lúlio; c) Escritos mnemotécnicos: De umbris idearum (1582); Ars memoriae (1582), e outras sobre o tema da memória, favorito de Bruno. Nelas pretende apoderar-se do saber com artifícios mnemotécnicos, fazendo progredir a ciência com uma técnica inventiva, rápida e milagrosa, d) Escritos mágicos, como De magia et theses de magia; De magia mathematica etc, escritos entre 1589-1591. Baseado no pressuposto do pan-psiquismo universal, quis conquistar de assalto a natureza, tal como se conquista um ser animado, e) Escritos de filosofia natural: A ceia das cinzas (1584); Da causa, do princípio e do uno (1584); Do infinito universo e dos mundos (1584) etc. Nestes escritos expõe sua doutrina sobre a natureza, que exalta com ímpeto lírico e religioso e para a qual, às vezes, encontra uma expressão poética, f) Escritos morais: O espaço da besta triunfante (1584) e Furores heroicos (1585). E outros temas ocasionais.
— O ponto de partida do pensamento complexo de Bruno é seu inicial interesse pela natureza, que se poderia qualificar como religião da natureza. E um ímpeto lírico, raptus mentis, contractio mentis, exaltação e furor heroico. Mas a sua é uma natureza concebida pitagoricamente, não matematicamente.
— Essa paixão pela natureza faz-nos compreender sua postura em relação à religião como sistema de crenças. A religião parece-lhe repugnante e absurda. Embora reconheça sua utilidade “para a educação dos povos rudes que devem ser governados”, nega-lhe, no entanto, todo valor. A religião transforma-se então num conjunto de superstições, diretamente contrárias à razão e à natureza.
— Vários de seus escritos estão entretecidos com uma feroz sátira anticristã que não se detém sequer diante do mistério da Encarnação do Verbo. Sequer o cristianismo reformado — que Bruno teria conhecido diretamente em Genebra, Inglaterra e Alemanha — salva-se de sua condenação. Inclusive parece-lhe pior que o catolicismo, porque nega a Uberdade e o valor das boas obras.
— A essa religiosidade natural e cristã, Bruno contrapõe outra religiosidade, a dos doutos. Essa religiosidade não é outra senão o próprio filosofar e com a qual estão de acordo os filósofos gregos, os orientais e os cristãos. Bruno volta à “sabedoria primitiva” proclamada por humanistas como Pico e Marcílio Ficino e que o Renascimento tomou para si.
— Para o filosofar natural, Deus não é a substância transcendente da qual fala a Revelação, mas a própria natureza em seu princípio imanente. Como natureza, Deus é causa e princípio do mundo: causa, no sentido de determinar as coisas que constituem o mundo; princípio, enquanto constitui o próprio ser das coisas naturais. Mas em nenhum caso distingue-se das coisas naturais nem da natureza como tal. “A natureza é o próprio Deus ou é a virtude divina que se manifesta nas mesmas coisas”. Deus é o “entendimento universal”, “a forma universal do mundo”, “a matéria e a forma do mundo”. “Deus é a única forma como alma do mundo, a matéria é o receptáculo das formas, o substrato disforme que o entendimento divino plasma e dá vida”.
— Se para Bruno a natureza é Deus, a meta última do homem é a visão e a identificação mágica da natureza em sua unidade. Nem o êxtase nem a união com Deus têm sentido para ele. O homem realiza-se quando pode “contemplar a imagem do sumo bem na terra”. Com isso negava todo valor ao mundo sobrenatural revelado pela fé.
BIBLIOGRAFIA: Opere italiane. Ed. de G. Gentile, Bari 1927-1935, 3 vols.; Opera latina conscripta. Ed. de G. Fiorentino. Florencia 1879-1891, 8 vols. A. Guzzo, G. Bruno. Turim 1960; R Mondolfo, Figuras e ideas de lafilosofia del Renacimiento. Buenos Aires 1968. (santidrián)