O império da lei é um dos mais poderosos conceitos legados pelo mundo medieval ao mundo moderno, mas suas origens são complexas, provenientes de raízes tanto germânicas quanto latinas. Para Bizâncio e a parte oriental do mundo romano, a herança jurídica sobreviveu intata, embora dramaticamente modificada, primeiro sob o impacto das invasões muçulmanas, depois pelas Cruzadas e, finalmente, pelas conquistas turcas que culminaram na tomada de Constantinopla (1453).
O maior dos primeiros imperadores orientais, Justiniano, encarregou-se de codificar o direito romano (527-34) com a ajuda de seu jurisconsulto Triboniano. As publicações resultantes, conhecidas dos estudiosos medievais como o Corpus Juris Civilis, devem ser colocadas entre as mais influentes obras escritas até hoje produzidas na Europa. Ele se divide em duas partes principais: o Digesto e o Código. O Digesto (ou Pandectas) enunciava princípios básicos e ocupava-se sobretudo de leis concernentes ao direito privado; consistia em 50 livros, divididos em títulos e leges (leis), conjugando numa unidade sistemática material recolhido nos livros de direito do Império. O imperador era reconhecido como a fonte do direito escrito positivo e não se pensava que estivesse sujeito à lei. Historicamente, porém, o Digesto acompanha Ulpiano ao atribuir a base da autoridade imperial a uma lex regia, mediante a qual o povo romano tinha transmitido poder ao governante nos tempos da República: essa atribuição provou revestir-se de grande significação para os pensadores políticos da Idade Média, em séculos subsequentes.
O Código publicou constituições ou decretos e respostas do imperador sobre pontos controvertidos. Consistia em 12 livros que se ocupavam substancialmente de assuntos eclesiásticos, aplicando ao Império cristianizado noções derivadas dos tempos pagãos, quando o imperador era pontifex maximus. O Código também continha matéria relacionada com a máquina judicial e as funções de servidores públicos. Duas outras compilações associadas com Justiniano são também importantes para a transmissão do direito romano. Suas decisões legais subsequentes, muitas delas ligadas a assuntos eclesiásticos, e publicadas de modo significativo em grego em vez do latim do Digesto e do Código, foram coligidas (168 ao todo) como as Novellae, ao passo que seus Institutes (em quatro livros) eram um compêndio oficialmente aprovado, enunciando princípios gerais mas nada contendo que não estivesse no Digesto ou no Código.
Para a parte oriental do Império, o direito romano, tal como apresentado por Justiniano e seus consultores, continuou sendo a base da vida social. No Ocidente foi diferente. Os rudimentos de direito romano sobreviveram na Itália e no sul da França, e alguns dos códigos bárbaros, mormente o dos visigodos, revelam forte influência romana; notários ligados a concessões de terras e direitos na Itália Carolíngia tiveram, é lícito presumir, mais do que noções superficiais de direito romano.
Foi sobretudo a Igreja que manteve vivas as ideias romanas. As leis dos francos ripuários reconheciam, em meados do século VIII, que a Igreja vivia de acordo com o direito romano. De outras formas mais sutis, a Igreja também preservou a herança do direito romano: sua estrutura institucional tomou por modelo o Estado romano e pedia um certo grau de direito territorial universal; a Vulgata, a grande Bíblia latina, estava impregnada de vocabulário jurídico latino, transmitindo para o mundo medieval noções inteligíveis de uma realeza ordenada e de um Estado territorial.
Os governantes do mundo ocidental foram, durante muitos séculos, reis bárbaros germânicos e seus seguidores, cujas ideias básicas de direito eram radicalmente diferentes das romanas. A ênfase que se observa em seus códigos de leis sobre status, sobre wergeld (preço do sangue), sobre vendeta ou temor de vendeta, indica uma sociedade em que estar à altura da lei e do juramento dependia de se pertencer a uma família livre; a base do direito germânico era a filiação a um grupo tribal livre.
Noções de realeza cristã e de uma sociedade justa ajudaram a reintroduzir vestígios de romanismo; havia, porém, escasso conhecimento específico do direito romano em que se apoiar. Somente na segunda metade do século XI, coincidindo com a eclosão da Questão das Investiduras, houve um verdadeiro ressurgimento do direito romano. O único exemplar sobrevivente do Digesto foi redescoberto por volta de 1070, provavelmente em Monte Cassino, e o estudo sistemático do direito romano desenvolveu-se rapidamente no norte da Itália, sob a inspiração de grandes mestres: Irnério em Bolonha, seguido pelos glosadores no século XII e depois pelos Comentadores. Necessidades da Igreja e do Estado instigaram o exame atento da herança romana, se bem que as diferenças na organização social entre o Império Romano e a Europa do século XII exigissem uma dura disciplina intelectual das escolas de direito para tornar as sentenças inteligíveis. O direito Canônico desenvolveu-se por caminhos próprios, e o gênio de Graciano, no começo da década de 1140, colocou a lei da Igreja numa nova base metodológica. Sua Concordância dos Cânones Discordantes tinha uma imensa dívida com a Escola Bolonhesa.
O mundo secular também se beneficiou, e o direito civil tornou-se coerente. Pedro Crasso, que escreveu em defesa do imperador Henrique IV, parece ter sido o primeiro a perceber todo o potencial do direito romano em defesa do poder laico; mas os servidores reais nos séculos XII e XIII apoiaram-se maciçamente nas máximas jurídicas de Roma para apoiar seus senhores imperiais e reais. O direito tornou-se, depois da teologia, a mais prestigiosa das disciplinas acadêmicas, um treinamento para a elite letrada que, no período central da Idade Média, progredia nos escalões do governo. Surgiram naturalmente conflitos entre os novos advogados civilistas e os mergulhados na tradição, no direito feudal e no costume (consuetudo). Os juristas, ao tempo dos imperadores Hohenstaufen, aceitaram e exploraram a universalidade explícita do direito romano, mas as monarquias francesa e inglesa foram inicialmente menos receptivas e houve ocasiões em que seu estudo foi até proibido. A reconfortante doutrina de que o rei era imperador em seu próprio reino ajudou a encorajar seu estudo, sobretudo na França, mas na Inglaterra o direito romano continuou sendo de pouca influência prática, e a textura do direito consuetudinário surgiu nas mãos de autores tais como Glanville e Bracton, não afetados pelo direito romano e estruturalmente mais dependentes do costume e da prática dos tribunais de justiça reais.
No nível teórico, a teologia e o direito estavam intimamente interligados. No século XIII foram introduzidos refinamentos — de maneira sumamente sutil e efetiva por Santo Tomás de Aquino — nas ideias básicas de Santo Agostinho a respeito da relação entre o direito divino (revelado pela fé), o direito natural e o direito positivo. A política, a teoria política e o estudo do direito também eram parceiros íntimos, e muitos dos grandes mestres juristas do final da Idade Média envolveram-se ativamente em controvérsias sobre o fim do Grande Cisma e o movimento conciliar. Conceitos de soberania e de utilitas pública foram formulados pelos juristas romanos. A disciplina de direito persistiu academicamente como uma das mais gratificantes, nas acepções intelectual e prática da palavra. Organizado em universidades, como a de Bolonha, ou nos Inns of Court ingleses, o estudo do direito exerceu um poderoso e permanente efeito sobre a vida intelectual da Europa. (DIM)