Humanistas (séc. XW-XVI)
Este não é o lugar apropriado para falar do termo e do conceito de “humanista”, “humanismo”. Nem queremos analisar a evolução do conceito até chegar a nossos dias. Queremos simplesmente aludir ao “humanismo” e aos “humanistas” tal e como se produziram e surgiram num período histórico (séculos XIV-XVI). Nosso interesse está centrado, particularmente, nas pessoas e valores que encarnam o chamado “humanismo cristão” desta época. Como em outras épocas e momentos, nosso dicionário quer coletar a forma pela qual os autores e suas obras captam, vivem e expressam o cristão. Tratamos basicamente do humanismo renascentista.
Partimos desta constatação: quando desde os séc. XIV-XVI falamos de um “humanismo cívico”, de uma “teoria humanista da educação”, de um “humanismo artístico”, de um “humanismo científico”, e até de um “humanismo utilitário”, devemos ter presentes duas coisas: a) Que o núcleo do humanismo era a preocupação íntima do humanista pela correção de seu texto: se retirarmos do termo “humanismo” o cheiro da lâmpada do erudito, estaremos utilizando-a de forma enganosa, b) De igual modo, percebe-se nele oposição a um cristianismo que “os humanistas desejavam, no geral, completar, não contradizer, através de sua paciente escavação da antiga sabedoria de inspiração divina” (Enciclopédia do Renascimento italiano).
Essa constatação, inclusive no chamado “humanismo paganizante”, é representada em grande parte pelos italianos, embora com notáveis exceções. O redescobrimento da Antiguidade suscitou um entusiasmo tão vivo que se esqueceram quinze séculos de cristianismo. Contudo, esse humanismo não é anticristão. Se, ao contrário, examinamos o “humanismo cristão”, vemos que se caracteriza por um retorno às fontes, ao evangelho, aos grandes textos da tradição, porém despojados dos acréscimos por certa teologia escolástica e pelos comentários medievais, que muitas vezes os falseavam.
Esse humanismo, caracterizado pelo amor e pelo estudo da sabedoria clássica e pela demonstração de sua concordância fundamental com a verdade cristã, produziu resultados admiráveis: a) Produziu uma pedagogia, base da revolução cultural, indispensável à sua época, e contribuiu poderosamente para colocá-la em prática, b) Exaltou o evangelismo como “philosophia Christi” e como modo de vida, refletido em tantas obras da época como o Enchiridion militis christiani (Erasmo) e Do beneficio de Cristo (anônimo, 1543). Nos dois encontramos que o “cristianismo é essencialmente interioridade e não consiste na observância dos ritos externos; é um combate contra as paixões, que nos eleva sobre os bens materiais até Cristo salvador”, c) Descobriu o conceito da função civil da religião e da tolerância religiosa (Morus): a cidade terrena deve realizar, enquanto seja possível, a harmonia e a felicidade da cidade celestial. A harmonia e a felicidade pressupõem a paz religiosa. O ideal da paz religiosa é a forma com que se apresenta tanto no Humanismo quanto no Renascimento, a exigência da tolerância religiosa, d) Finalmente, os humanistas rejeitaram a herança medieval e escolheram a herança do mundo clássico, porque queriam fazer reviver essa herança como instrumento de educação, isto é, de formação humana e social. O privilégio concedido por eles às chamadas letras humanas, ou seja, à poesia, à retóri-história, à moral e à política, fundamentava-se na convicção herdada também dos antigos, de que tais disciplinas são as únicas que educam o homem enquanto tal, e o colocam na posse de suas faculdades autênticas.
Dos diferentes humanismos da época, coletamos neste dicionário algumas amostras. Do humanismo florentino (Lorenzo Valla, Pico de la Mirándola, Marcílio Ficino). Do restante da Europa (Morus, Erasmo, Melânchton, Luís Vives, Lefevre D’Etaples).
BIBLIOGRAFIA: F. Hermann. Historia doctrinal del humanismo cristiano. Valencia 1962, 2 vols.; J. Gómez Caffarena. La entraña humanista del cristianismo. Estella 21987; H. de Lubac, El drama del humanismo ateo. Madrid 1967; Humanismo y Renacimiento (textos de Lorenzo Valla, Marcilio Ficino, Angelo Poliziano, Pico de la Mirándola etc.). Seleção de Pedro R. Santidrián. Madrid 1986. (Santidrián)