julgamento

Definição do julgamento.

O julgamento é o ato psicológico que corresponde à segunda operação do espírito. Pode-se defini-lo com Aristóteles e Tomás de Aquino: um ato da inteligência que une ou divide por afirmação ou negação:

“actio intellectus qua componit vel dividit affirmando vel negando”.

O que impressiona de início no julgamento é que ele é uma atividade complexa, uma associação de vários termos, enquanto que a primeira operação era simples. Mas isso não é o que caracteriza mais profundamente este ato; podia já haver complexidade na simples apreensão, para a definição por exemplo. O que especifica e distingue o julgamento é a afirmação ou negação que se acha expressa pelo verbo ser ou pela negação não ser, verbo que está sempre explícita ou implicitamente contido nessa operação: “O leão é um animal”, “Pedro joga” =Pedro é jogador.

Vê-se, portanto, que enquanto a primeira operação atingia a essência da coisa, a segunda operação considera de preferência sua existência, que ela afirma ou nega. Ela completa assim e conduz a seu termo o esfôrço de percepção da realidade total que havia sido começada pela simples apreensão. Dir-se-á que, enquanto o objeto da primeira operação do espírito é a quidditas, o da segunda é o ipsum esse (cf. I. Sent., D. 19, q. 5, a. I, ad 7) :

“Prima operatio respicit quidditatem rei, secunda respicit ipsum esse”.

O julgamento vê a existência, a realidade atual das coisas. É da maior importância tomar consciência desse fato quando se aborda o estudo dessa operação. É sua marca distintiva; e é ainda sob este ponto de vista que poderemos dividi-la. Observemos, todavia, desde logo que, o ser afirmado no julgamento é analógico. Quem diz ser, diz necessariamente ordem à existência, à realidade. Mas há várias maneiras de ordem à existência. Pode-se existir em si ou somente em um outro, em ato ou em potência, pode-se mesmo existir somente na razão (ser de razão). Há, paralelamente, julgamentos de diversos tipos: concretos, abstratos, etc. Todos esses julgamentos implicam igualmente afirmação ou negação de ser, mas segundo modalidades diferentes. Exemplos: “Pedro é homem”, “Pedro é branco”, “o homem é vivente”, “o quadrado é um retângulo”, “o vício é condenável”, “o sujeito é um termo”.

Processos de formação do julgamento.

A psicologia se aplica em precisar a série dos atos que asseguram a integridade de um julgamento. Distinguem-se, assim, como que cinco tempos nessa operação:

A. A apreensão de dois termos.
B. Seu relacionamento.
C. A percepção de sua conveniência ou de sua não conveniência.
D. A afirmação dessa conveniência ou dessa não conveniência.
E. A expressão em um verbo mental daquilo que é assim concebido, ou a enunciação.

Por exemplo, se eu julguei que “a música é um repouso”, inicialmente concebi os termos “música” e “repouso”, eu os comparei, percebi sua conveniência, toda esta atividade preparatória situando-se no plano da primeira operação do espírito ou da simples apreensão das coisas; depois, refletindo sobre o meu ato, vi que a conveniência constatada entre as noções de “música” e de “repouso” correspondiam à realidade, que a composição que eu efetuava em meu espírito existia mesmo nas coisas; aderindo ao testemunho dessa visão refletida, afirmei, é, isto é assim, isto que eu disse, “é”: eis a enunciação acabada: “a música é um repouso”. Tais são as atividades, evidentemente muito estreitamente associadas, que integram um julgamento: uma visão objetiva, depois, a partir de uma visão refletida, a afirmação e a expressão do que se vê e afirma.

Esta análise do julgamento certamente não seria reconhecida como autêntica por numerosos filósofos modernos, para quem a relação é anterior aos termos e os coloca de algum modo depois dela. Segundo esta maneira de ver, a operação elementar do espírito é o julgamento, a simples apreensão não correspondendo senão a uma divisão abstrata deste. De bom grado reconheceremos com esses filósofos que o pensamento humano não atinge o seu estado perfeito senão no julgamento, que finaliza a percepção total da realidade; mas há, anteriormente a essa operação, uma primeira atividade da qual já tivemos ocasião de assinalar a originalidade.

A propriedade do julgamento.

A propriedade do julgamento, que decorre imediatamente de sua natureza, é a verdade ou a falsidade. Quer dizer que quando o espírito julga ele é necessariamente verdadeiro ou falso: verdadeiro, se a composição ou a divisão que ele estabelece entre dois termos corresponde efetivamente à que se acha na realidade; falsa, no caso contrário. “Pedro é matemático” é um julgamento verdadeiro se Pedro é mesmo matemático; senão, é falso. O julgamento se distingue por isso da primeira operação do espírito, que em si não era nem verdadeira nem falsa. Esta doutrina, comumente sustentada por Tomás de Aquino, está bem resumida no seguinte texto (I.a p.a, q. 16, a. 2)

“A inteligência pode conhecer sua conformidade com a coisa inteligível, todavia ela não a percebe no momento em que ela apreende a quididade de uma coisa. Porém, é quando ela julga que a coisa é realmente tal nela mesma, que ela a concebe, que essa faculdade conhece e exprime pela primeira vez a verdade. E ela o faz compondo e dividindo. Porque, em toda proposição, ou ela aplica a uma coisa significada pelo sujeito uma forma significada pelo predicado, ou ela o nega. Eis porque, falando propriamente, a verdade está na inteligência que compõe e que divide, e não nos sentidos, ou na inteligência enquanto ela percebe a quididade das coisas.”

“Intellectus autem conformitatem sui ad rem intelligibilem cognoscere potest: sed tamen non apprehendit eam, secundum quod cognoscit de aliquo quod quid est. Sed quando judicat rem ita se habere sicut est forma, quam de re apprehendit, tunc primo cognoscit, et dicit verum. Et hoc facit componendo et dividendo. Nam in omni propositione aliquam formam significatam per prxdicatum, vel applicat alicui rei significatae per subjectum vel removet ab ea… Et ideo proprie loquendo veritas est in intellectu componente et dividente, non autem in sensu, neque in intellectu cognoscente quod quid est”.

Extensão e compreensão no julgamento.

O sujeito e o predicado, sendo universais, entram, cada um, no julgamento com seu tipo de extensão e de compreensão. Assim é que se pode dizer que o predicado, que é forma, determina a compreensão do sujeito. Em “Pedro é músico” eu declaro que a qualidade de ser músico pertence a Pedro. Pode-se igualmente dizer que, julgando, eu classifico o sujeito na extensão do predicado: Pedro, na enunciação precedente, está classificado no número dos músicos. – Após o que foi dito do conceito, percebe-se que estes dois pontos de vista se combinam no julgamento, que é assim ao mesmo tempo determinação da compreensão do sujeito, e análise da extensão do predicado. Todavia, o ponto de vista da compreensão tendo prioridade, pode-se concluir que julgar é, antes de tudo, determinar a compreensão do sujeito. (Gardeil)