línguas sagradas

VIDE língua hierática

É em particular sobre a distinção que deve ser feita entre as línguas sagradas e as línguas vulgares ou profanas que repousa essencialmente a justificação dos métodos cabalísticos, bem como dos processos similares que se encontram em outras tradições. (Guénon)


Conforme ensina Seyidi Mohyiddin ibn Arabi no início da segunda parte de El-Futuhatul-Mekkiyah (As revelações da Meca), cada profeta ou revelador devia forçosamente empregar uma linguagem passível de ser compreendida por aqueles a quem se dirigia, portanto adaptada mais em particular à mentalidade de um povo e de uma época específicos. Essa é a razão da diversidade de formas tradicionais, que tem por sua vez como consequência imediata a diversidade de línguas que lhes devem servir de meios de expressão. Todas as línguas sagradas, portanto, devem ser vistas, na verdade, como obra de “inspirados”, sem o que não estariam aptas a desempenhar o papel ao qual essencialmente se destinam. No que se refere à língua primitiva, sua origem, como a da própria tradição primordial, devia ser “não-humana”; e toda língua sagrada participa também desse caráter, na medida em que, em sua estrutura (el-mabâni) e significação (el-maâni), constitui-se num reflexo dessa língua primitiva. Isso pode, aliás, traduzir-se de diferentes modos, que não têm a mesma importância em todos os casos, pois a questão da adaptação também intervém aí, como acontece, por exemplo, com a forma simbólica dos signos empregados na escrita e, em especial, no hebreu e no árabe, com a correspondência entre os números e as letras e, consequentemente, as palavras compostas por essas letras. (Guénon)


Certamente, é difícil aos ocidentais darem-se conta do que são na verdade as línguas sagradas, pois, ao menos nas condições atuais, não têm contato direto com nenhuma delas. A esse respeito podemos lembrar o que já dissemos, em outras ocasiões e de modo geral, sobre a dificuldade de assimilação das “ciências tradicionais”, muito maior que a dos ensinamentos de ordem puramente metafísica, em razão de seu caráter especializado, que as vinculam de modo indissolúvel a essa ou àquela forma determinada, e que não permite transportá-las, tais como se encontram, de uma civilização a outra, sob o risco de tomá-las inteiramente ininteligíveis ou de obter um resultado ilusório e, até mesmo, completamente falso. Assim, para compreender de fato todo alcance do simbolismo das letras e dos números, é preciso vivê-lo, de algum modo, em suas aplicações, inclusive em circunstâncias da vida corrente, tal como é possível em certos países orientais. Por isso seria absolutamente quimérico pretender introduzir considerações e aplicações dessa espécie nas línguas europeias, que não as comportam e para as quais, particularmente, o valor numérico das letras é algo inexistente. As tentativas realizadas nessa ordem de ideias, fora de qualquer dado tradicional, estão portanto erradas já de seu ponto de partida. Se, às vezes, obteve-se algum resultado justo, por exemplo do ponto de vista “onomatomântico”, isso não prova o valor e a legitimidade dos processos, mas apenas a existência de uma espécie de faculdade “intuitiva” (que, bem entendido, nada tem em comum com a verdadeira intuição intelectual) entre aqueles que se dedicaram a isso, tal como acontece frequentemente com as “artes divinatórias”. (Guénon)