O monge é um homem chamado pelo Espírito Santo a renunciar aos cuidados, desejo e ambições dos outros homens para dedicar toda sua vida à procura de Deus. O conceito é conhecido. A realidade significada pelo conceito é um mistério. Pois, concretamente, ninguém na terra sabe com precisão o que seja «buscar a Deus» enquanto não se tiver posto em marcha para achá-lo. Homem algum pode dizer a outro em que consiste essa procura, se esse outro não for, ao mesmo tempo, iluminado pelo Espírito que fala em seu coração. Em suma, ninguém pode procurar Deus a não ser que já tenha começado a encontrá-lo. Ninguém pode encontrar Deus sem que primeiro Deus o tenha encontrado. O monge é o homem que procura Deus porque por Ele foi achado.

Em resumo, um monge é um «homem de Deus».

Uma vez que todos os homens foram criados por Deus para que o pudessem encontrar, todos são, de certo modo, chamados a ser «homens de Deus». Mas nem todos são chamados a ser monges. Um monge, portanto, é alguém chamado a se dar exclusiva e perfeitamente ao único necessário a todos os homens — a busca de Deus. A outros é-lhes permitido procurar Deus por caminho menos direto, levar no mundo uma vida digna, fundar um lar cristão. O monge põe essas coisas de lado, embora possam ser boas. Dirige-se a Deus pelo atalho direto, recto tramite. Retira-se do «mundo». Entrega-se inteiramente à oração, à meditação, ao estudo, ao trabalho, à penitência, sob o olhar de Deus. A vocação do monge se distingue até das outras vocações religiosas, pelo fato de que ele se dedica essencial e exclusivamente à busca de Deus, em lugar da busca das almas para Deus.

Encaremos o fato de que a vocação monástica tem tendência a se apresentar ao mundo moderno como um problema e um escândalo.

Numa cultura basicamente religiosa, como a da Índia ou a do Japão, o monge é, por assim dizer, coisa normal. Quando a sociedade inteira está orientada para além da busca meramente transitória dos negócios e do prazer, ninguém se espanta de que homens dediquem a vida a um Deus invisível. Numa cultura materialista, porém, fundamentalmente irreligiosa, o monge se torna incompreensível porque ele «não produz nada». Sua vida parece ser completamente inútil. Nem mesmo os cristãos têm sido isentos dessa ansiedade por causa da aparente «inutilidade» do monge. Estamos acostumados com o argumento de que o mosteiro é uma espécie de dínamo que, embora não «produza» a graça, consegue esse bem-estar espiritual infinitamente precioso para o mundo.

Os primeiros Pais do monaquismo não se preocupavam com tais argumentos, se bem que possam ter valor quando bem aplicados. Eles não sentiam que a procura de Deus fosse algo que necessitasse ser defendido. Ou, antes, viam que se os homens não tivessem, em primeiro lugar, consciência de que Deus deve ser procurado, nenhuma outra defesa do monaquismo adiantaria.

Deus deve, então, ser procurado?

A mais profunda lei no ser do homem é sua necessidade de Deus, de vida. Deus é vida. «Estava nele a vida e a vida era a luz dos homens. E a luz brilhou nas trevas e as trevas não a compreenderam» (Jo 1, 4-5). Compreender a luz que no meio delas brilha, é a maior necessidade que têm nossas trevas. Por isso, deu-nos Deus como seu primeiro mandamento: «Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças». A vida monástica nada mais é do que a vida daqueles que tomaram o primeiro mandamento com a maior seriedade, e, como diz S. Bento «nada preferiram ao amor de Cristo».

Mas, quem é Deus? Onde está?

O monaquismo cristão é busca de alguma pura intuição do Absoluto? Um culto do Bem supremo? A adoração da Beleza perfeita e imutável? O próprio vazio de tais abstrações torna o coração frio. O Santo, o Invisível, o Todo-poderoso é infinitamente maior e mais real do que qualquer abstração inventada pelo homen. Mas Ele próprio disse : «O homem não ME pode ver e viver» (Êx 33, 20). Entretanto, o monge persiste em exclamar com Moisés: «Mostra-ME a Tua face» (Êx 33, 13).

O monge, portanto, é alguém que procura tão intensamente a Deus que está pronto a morrer para poder vê-lo. Por isso é que a vida monástica é um «martírio» bem como um «paraíso»; uma vida ao mesmo tempo «angélica» e «crucificada».

S. Paulo resolve, do seguinte modo, o problema: «Deus que disse: ‘Do seio das trevas brilhe a luz’ foi quem fez brilhar sua luz em nossos corações, para que façamos brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Jesus Cristo» (2 Cor 4, 6).

A vida monástica é a rejeição de tudo que obstrui os raios espirituais dessa misteriosa luz. O monge é alguém que deixa atrás de si a ficção e as ilusões de uma espiritualidade meramente humana, para mergulhar na em Cristo. A é a luz que o ilumina no mistério. É a força que se apodera das íntimas profundezas de sua alma e o entrega à ação do Espírito divino. Espírito de liberdade. Espírito de amor. A o segura e, como outrora fez com os antigos profetas, «firma-o sobre seus pés» (Ez 2, 2) diante do Senhor. A vida monástica é vida no Espírito de Cristo, vida em que o cristão se dá inteiramente ao amor de Deus que o transforma na luz de Cristo.

«O Senhor é o Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, ali está a liberdade. E todos nós que, com o rosto descoberto, refletimos como espelhos a glória do Senhor, nós nos transformamos nesta mesma imagem, cada vez mais resplandecente, conforme a ação do Senhor, que é espírito» (2 Cor 3, 17-18). O que S. Paulo diz da vida interior de todo cristão, torna-se, em realidade, o principal objetivo do monge vivendo em solidão no claustro. Procurando a perfeição cristã, procura o monge a plenitude da vida cristã, a inteira maturidade da cristã. Para ele, «viver é o Cristo».

Para estar livre, da liberdade dos filhos de Deus, renuncia o monge ao exercício da sua própria vontade, ao direito à propriedade, ao amor do conforto e do bem-estar, ao orgulho, ao direito de fundar uma família, à faculdade de dispor do seu tempo como bem entende, a ir onde quer e a viver conforme bem lhe parece. Vive só, pobre, em silêncio. Por quê? Por causa daquilo em que ele crê. Crê na palavra de Cristo que prometeu: «Em verdade vos digo: Não há ninguém que tenha abandonado a casa ou os pais, ou os irmãos, ou a esposa, ou os filhos, por causa do reino de Deus, e que não receba muito mais no tempo presente, e, no século futuro, a vida eterna» (Lc 18, 29-30). (Thomas Merton)