Talvez o paralelo mais próximo dessa experiência de se sentir perdido no espaço desconhecido, caótico, seja encontrado entre os Achilpas, uma das tribos arunta australianas. De acordo com sua mitologia, um ser divino chamado Numbakula tornou seu território “um cosmos organizado”, criou seus antepassados e fundou suas instituições. Numbakula fez do tronco do eucalipto um poste sagrado, através do qual subiu ao céu e desapareceu. Este poste representa o eixo cósmico, porque foi em torno dele que a Terra tornou-se habitável e se transformou em um “mundo”. Por essa razão, é importante a função ritual desse poste. Os aruntas carregam-no consigo em suas viagens e, de acordo com a maneira como ele se inclina, escolhem que direção tomar. Isso faz com que eles, apesar de sua vida nômade, se encontrem sempre em seu “mundo”, permanecendo ao mesmo tempo em contato com o céu onde Numbakula desapareceu. Consideram uma catástrofe o fato de o poste se quebrar; de uma certa forma, isto é o “fim do mundo” e uma regressão ao caos. Spencer e Gillen narram a lenda segundo a qual o poste sagrado quebrou-se e a tribo inteira deixou-se tomar pela angústia. O povo vagueou sem destino por um certo tempo, terminando por sentar-se no chão e deixar-se morrer. Essa é uma ilustração excelente da necessidade de cosmicizar a terra em que se deve viver. Para os achilpas, o mundo torna-se “seu mundo” à proporção que reproduz o cosmos organizado e santificado por Numbakula. Eles não podem viver sem esse eixo vertical que lhes assegura uma “abertura” para o transcendente ao mesmo tempo que toma possível sua orientação no espaço. Em outras palavras, não se pode viver num “caos”. Uma vez que seja desfeito este contato com o transcendente e que o sistema de orientação esteja destruído, a existência no mundo não é mais possível – então os achilpas deixam-se morrer. (Eliade)