princípio de identidade

Perguntou-se, na época moderna, se não se poderia justapor e mesmo superpor ao princípio de não-contradição um princípio afirmativo, no qual o ser seria atribuído a si mesmo e ao qual se poderia dar o nome de princípio de identidade.

Tomás de Aquino fez alusão a um tal princípio? De modo explícito, certamente não. Quando, seja na lógica, seja na metafísica, estuda os axiomas, não fala de tal princípio. Mas, pelo menos, não é possível aproximá-lo de sua doutrina? A identidade, para Tomás de Aquino, tem um sentido bem definido: significa o modo próprio de unidade que convém à substância. Afirmar a identidade do ser, seria pois, de uma certa maneira, reconhecer a sua unidade. Avançando nesta via, somos naturalmente levados a dizer que o princípio de identidade é apenas uma forma do que se poderia chamar o princípio da unidade do ser: todo ser é uno ou idêntico a si mesmo, proposição exata e absolutamente imediata, mas que só intervém mais tarde após o reconhecimento do transcendental uno. Para fundar nosso princípio em Tomás de Aquino, é preciso recorrer a uma outra doutrina, aquela das propriedades transcendentais do ser (Cf. De Veritate, q. 1, a. 1). Um texto pode nos servir de base: “Nada se pode encontrar que seja dito afirmativamente e absolutamente de todo ser senão a sua essência, pela qual ele é dito ser; e é deste ponto de vista que se dá o nome de “coisa”, res, o que, segundo Avicena no início de sua Metafísica, difere de “ser”, ens, nisto: “ser” é tomado do ato de existir, enquanto o nome “coisa” exprime a quididade ou a essência do ser”.

Partindo-se daqui, eis como se poderá precisar o sentido desse princípio.

Antes de mais nada, é claro que só pode haver juízo verdadeiro se o predicado é, de alguma maneira, distinto do sujeito. Uma atribuição rigorosamente tautológica do ser não constitui, observou-se frequentemente, um juízo. Mas, o ser sendo naturalmente sujeito do nosso princípio, como encontrar-lhe um predicado que acrescente o mínimo possível à significação do sujeito? Tomás de Aquino no-lo indica: distinguindo os dois aspectos do ser como existente e do ser como essência. Chega-se assim a esta fórmula geral: “o ser (como existente) é ser (como essência).”

É assim que, de maneira comum, se procura constituir uma fórmula aceitável do princípio de identidade. Mas não estamos no fim de nossas penas, pois parece que nos encontramos aqui ainda diante de uma ambiguidade. Se acentuamos, com efeito, a distinção da essência ou da coisa e do ato de existir, terminamos em uma fórmula como esta (Cf. Garrigou-Lagrange, Le sens commun, 3.a ed., p. 166) : “Todo ser é algo de determinado, de uma natureza que e constitui propriamente”. Isto é: todo ser possui uma certa natureza. Mas não será possível, afastando-nos menos da noção do que existe (ens), considerar a essência, não como uma certa essência, mas como a essência do ser mesmo? Ao passo que, há instantes, eu respondia à questão: o ser é algo de determinado? Agora, coloco-ME em face da questão: que coisa, que natureza é o ser? E respondo que ele é ser (Cf. Maritain, Sept leçons sur l’être, p. 104): “Cada ser é o que é” ou mais simplesmente “o ser é ser”, ens est ens, isto é, “o ser tem por natureza ser”. É, em definitivo, sobre esta última fórmula que nos deteremos. A outra fórmula, que sublinha o aspecto de determinação da essência, corresponde já a um nível mais elaborado do pensamento.

Deveremos repetir aqui o que já dissemos mais acima a respeito do princípio de não-contradição. Em primeiro lugar, em um caso como no outro, o espírito não se determina ou não afirma senão porque vê objetivamente a conveniência ou a não-conveniência dos dois termos em presença. Em segundo lugar, o princípio de identidade é, ele também, coextensivo à noção de ser, isto é, vale para todo ser, mas só se aplica ao seres limitados ou imperfeitamente ser proporcionalmente ao que eles são. Somente Deus é absolutamente ou identicamente ser.

Resta uma última questão. A qual dos dois princípios deve-se reconhecer a primazia? Se nos colocamos no ponto de vista objetivo, devemos dizer que um e outro apenas supõem um só e mesmo dado positivo, o de ser. Os dois se referem ao mesmo termo. Por outro lado, um e outro são imediatos e não se pode dizer que o valor de um esteja subordinado ao do outro. Do ponto de vista subjetivo, encontramos ao contrário duas atividades distintas, dupla negação de um lado, dissociação da noção de ser e afirmação, de outro lado. Deste ponto de vista, portanto, é talvez possível falar de prioridade (psicológica ou lógica). Em metafísica, uma vez que não se saiu do conteúdo explícito da noção de ser, não haverá lugar para se colocar esta questão. (Gardeil)