Os universais, também chamados “noções genéricas”, ideias e entidades abstratas, contrapõem-se aos particulares ou entidades concretas; exemplos de universais são o homem, o triângulo, etc. O problema capital que se refere aos universais, e que já foi tratado por Platão e Aristóteles, mas que recebeu minuciosa dilucidação na idade média, refere-se à sua forma peculiar de existência. Trata-se de determinar que espécie de identidades são os universais e, embora pareça uma questão ontológica, teve e tem ramificações na lógica, na teoria do conhecimento e até na teologia. As questões principais que o problema dos universais suscita são as seguintes: 1. A questão do conceito (natureza e funções do conceito; natureza do individual e suas relações com o geral). 2. A questão da verdade (critério ou critérios de verdade e da correspondência do enunciado com a coisa). 3. A questão da linguagem (natureza dos signos e das suas relações com as entidades significadas). s posições principais que se sustentaram na idade média em relação a estas questões podem ser esquematizadas do seguinte modo: — O realismo, nome que se adjudica geralmente ao realismo extremo. Segundo o mesmo, os universais existem realmente; a sua existência é, além disso, prévia à das coisas, pois se argumenta que de outro modo seria impossível alguma das coisas particulares, já que estas estão fundadas nos universais. Isto não quer dizer que os universais sejam reais como as coisas corporais ou os entes situados no espaço e no tempo. Se isto acontecesse, os universais estariam submetidos à mesma contingência que os seres empíricos e portanto não seriam universais. 2. — O nominalismo, que sustenta que os universais não são reais, mas que estão depois das coisas. Trata- se, portanto, de abstrações da inteligência. 3. — O realismo moderado, para o qual os universais existem realmente, embora só enquanto formas das coisas particulares, quer dizer, tendo o seu fundamento na coisa. A questão dos universais reapareceu na lógica contemporânea e suscitaram-se duas posições extremas que na atualidade se aproximaram muito. Os realistas extremos ou platonistas, entre os quais se encontram Russell, no começo do século, reconhecem as entidades abstratas; Os nominalistas, por seu lado, não as reconhecem. (DFW)
O famoso texto de Porfírio-Boécio que originou a querela dos universais é assim redigido:
“No que concerne aos gêneros e às espécies: será que subsistem neles mesmos ou não estariam eles contidos a não ser nas puras concepções intelectuais? São eles substâncias corporais ou incorporais? Finalmente, são eles separados das coisas sensíveis ou estão implicados nelas, encontrando aí sua consistência? Recuso-ME a responder.”
“Mox de generibus et speciebus illud quidem sive subsistunt sive in soles nudisque intellectibus posita sunt, sive substantia corporalia sunt an incorporalia, et utrum separata a sensibilibus an in sensibus posita et circa ea constantia, dicere recusabo.”
As três questões que Porfírio levanta aqui, e que ele se recusa, aliás, a resolver, têm ligação, igualmente, com a realidade e com a objetividade das ideias universais. Observar-se-á sem dificuldade que as duas últimas dependem, para sua solução, da primeira, em torno da qual todo o debate se fixou: as ideias de gênero e de espécie (os universais) subsistem em si próprias, quer dizer na realidade, ou não teriam existência a não ser na inteligência? É propriamente um problema de metafísica, o que não interessa à lógica senão na medida em que ajuda a melhor perceber a natureza do universal. Portanto, não trataremos dele aqui, senão de maneira sucinta, e sobretudo à maneira de conclusão.
De uma madeira geral, pode-se definir o universal como “alguma coisa que é apta a se encontrar em muitas”: “Unum aptum inesse multis”.
Representa como que o elemento comum a um conjunto de sujeitos que se chamam seus inferiores e aos quais, em consequência, ele pode ser atribuído: assim “animal” é um universal com relação às diferentes espécies animais; “homem” é um universal relativamente a Sócrates, Platão etc. O universal é o conceito lógico, quer dizer, a ideia na razão.
Numerosos autores (cf. João de S. Tomás) colocam em discussão, a respeito do universal, estas três questões que iremos considerar sucintamente: a objetividade do universal, a causa do universal, a propriedade característica do universal.
A objetividade ou a realidade do universal.
Trata-se do mesmo problema colocado no Isagoge: as ideias gerais existem como tais no espírito ou fora do espírito somente? As respostas a esta questão se dividem entre três orientações filosóficas que já assinalamos. Os realistas, na linha de Platão, tinham a tendência a realizar o universal fora do espírito: a verdadeira realidade é o “homem” ou a natureza humana real. Os nominalistas, ao contrário, partindo da convicção de que o real autêntico não se encontra senão nos indivíduos, tendiam por sua vez a reduzir o universal a um simples nome coletivo, representativo do conjunto dos indivíduos. A ideia do “homem”, por exemplo, não representaria verdadeiramente a natureza humana, mas supriria tão’ somente o lugar da coletividade dos homens na linguagem e no pensamento. ,Para o realismo moderado, o conceitualismo-realismo como se diz, os universais exprimem bem a verdadeira natureza das coisas, mas seu estado de universalidade não lhe é conferido senão pelo espírito; sob este aspecto eles não existem senão no pensamento. A noção comum que eu formo do “homem” se encontra nos homens reais, Sócrates, Platão etc., os quais participam da mesma natureza humana mas, esta noção não se reveste de seu estado de universalidade senão no espírito que a concebe como aplicável indiferentemente a todos os indivíduos homens. O universal representa realmente as naturezas, mas vistas em um estado de subjetividade: é a teoria do realismo moderado. Esta doutrina, que é a de Tomás de Aquino, foi assim resumida por Gredt (Logica, 4.a ed. p. 96):
“Insunt in mente nostra conceptus vere universales, quibus a parte rei respondet natura his conceptibus expressa. Nihilominus haec natura, ut a parte rei existit, non est universalis sed singulares”.
Trata-se ainda de uma questão de metafísica do conhecimento ou de psicologia racional. A pergunta é a seguinte: quais as operações do espírito pelas quais ele forma um universal?
Inicialmente, pôr uma abstração. A inteligência extrai dos singulares que estão na origem de nosso conhecimento a natureza que é comum a todos. Por exemplo, da observação das diversas espécies animais, tira-se a noção de “natureza animal”. Esta noção considerada ao termo desta atividade abstrativa do espírito, é o que se chama o universal metafísico. Não é ainda o universal em seu estado perfeito, porque a natureza considerada, mesmo guardando ainda uma ordem radical relativamente aos sujeitos dos quais ela foi extraída, é então apreendida como isolada, como natureza pura. Por uma espécie de comparação ou de relacionamento, o espírito volta então aos sujeitos dos quais a natureza universal foi tirada e reconhece que essa natureza universal convém a esses sujeitos e pode, portanto, lhes ser atribuída. Tem-se, então, o verdadeiro universal, o universal lógico, quer dizer, o conceito considerado em suas relações com seus inferiores. Enquanto o universal metafísico corresponde às primeiras intenções, o universal lógico é da ordem das segundas intenções. Em lógica, evidentemente, é desse tipo de universal de que iremos nos ocupar.
A propriedade essencial do universal.
Essa propriedade não é outra senão a praedicabilitas, ou a aptidão essencial para ser predicado. Todo universal, implicando em sua própria natureza uma relação com seus inferiores, pode, por esta razão, lhes ser sempre atribuído. O universal “animal”, que foi tirado dos diversos tipos de animais e que tem relação com todos os animais possíveis, poderá ser atribuído a qualquer um dentre eles: “o cão é animal” etc. A aptidão para ser predicada é a propriedade característica ou, em linguagem aristotélica, a propriedade do universal. Essa aptidão é evidentemente, como todas as entidades lógicas, da ordem da relação de razão. – A atribuição ou praedicatio é o ato pelo qual se efetua esse relacionamento do universal com os seus sujeitos. Pertence à segunda operação do espírito. Os autores (cf. João de São Tomás) frequentemente estudam aqui esta operação. Parece-nos preferível considerá-la na operação lógica à qual ela pertence. (Gardeil)