Vives, Luís (1492-1540)
Luís Vives nasceu em Valência. Hoje está provada a sua descendência judaica, razão que explicaria, em parte, sua ausência da Espanha. Essa informação, que faz de Vives “o grande exilado e o primeiro dos exilados espanhóis”, é importante para se entender sua vida e sua obra. Em 1508, ingressou na Universidade de Valência, para no ano seguinte passar à de Paris, onde permaneceu até 1512. A partir desse ano, encontramo-lo em Bruges, cidade que fará sua e onde viverá até o final de seus dias. “Amo Bruges como a minha Valência natal”, disse mais tarde. De 1517 a 1522 foi professor em Lovaina, lugar de encontro de humanistas, erasmistas e reformadores. Fruto dessa primeira estadia nos Países Baixos é a publicação de 13 de suas obras, que marcaram sua predileção por temas filosóficos e religiosos.
A etapa culminante do Vives professor foi a Inglaterra (1523-1528), de onde se destacaram três acontecimentos importantes: foi professor de Oxford no Colégio de Corpus Christi. Foi introduzido na corte de Henrique VIII como homem de conselho, compatriota e amigo da rainha Catarina de Aragão e preceptor de suas duas filhas. E, sobretudo na Inglaterra, viveu a amizade de dois humanistas excepcionais: Morus e Erasmo. Do primeiro disse: “Nasceu para respeitar e cultivar a amizade e para ajudar seus amigos”.
Os últimos anos de sua vida (1528-1540) foram marcados pelo afastamento e pela penúria em sua casa de Bruges. Mas o que caracterizou essa época foi a “transformação intelectual e espiritual de Vives”. Os livros que escreveu no último período de sua vida são mais criativos e originais. Até 1528, fora um membro significativo do círculo erasmiano, mas, nos últimos anos de sua vida, transformou-se num dos mais importantes reformadores da educação europeia e um filósofo de destaque universal na história do pensamento do séc. XVI.
Morreu em 6 de maio de 1540, em Bruges, sem ter retornado à Espanha, onde sua vida foi marcada por certa depressão e tristeza. Não conheceu a jovialidade do Renascimento, “idade do descobrimento do mundo e do homem”. Sua vida de casado foi regida pela rigidez, assim o demonstram suas convicções sobre o sexo. Morreu com a certeza de que o homem pode ser muito menlhor no futuro.
Luís Vives é um escritor de expressão latina. Seu primeiro livro apareceu em 1514 e sua obra póstuma foi publicada em 1543. Nesse intervalo escreveu um total de 54 obras, além da numerosa correspondência com amigos e humanistas de seu tempo. Um trabalho tão extenso como o do valenciano não se resume a um só tema. Mas, como em todos os humanistas, há uma série de matérias comuns ao humanismo e uma preocupação própria e distintiva de Vives. Distingue-se nele “um forte compromisso temporal”, isto é, um “intelectual que fez da problemática de seu tempo a preocupação máxima de suas reflexões”. Assinalou-se, com razão, sua preocupação social e política, assim como seu fervor religioso de homem leigo, até afirmar que foi “o mais cristão dos humanistas” (Noreña). Eis um roteiro para classificar seus escritos:
— Obras em torno do problema da vivência e renovação do cristianismo. Luís Vives começou como escritor religioso, seguindo a linha da devoção moderna e de Erasmo. Como este, viu seus livros no Index por seus Comentários à cidade de Deus. Mas seria um erro ver em Vives um simples epígono de Rotterdam. “A literatura religiosa do espanhol deixou uma profunda marca até influir no livro oficial da oração comum da Igreja Anglicana” (Noreña). Pessoalmente dou fé nisso baseado nas fórmulas que introduz em seus Diálogos. Muitos se perguntaram que tipo de cristão é Vives. Podemos dizer que seu cristianismo é sincero, apesar de sua remota descendência judaica. Mas é um cristão crítico e atípico, que une fé e razão. “O cristianismo — diz — é o homem perfeito. Como na devotio moderna, sua fé e sua devoção centram-se em Cristo, tal como aparece no Novo Testamento. Isso não o impede de distanciar-se da Igreja oficial, a qual submete, como todos os humanistas, a duros juízos. Rejeita também visceralmente a chamada cultura medieval, que considera uma perversão do pensamento clássico. Embora conheça todos os movimentos teológicos da época, não participa com os reformadores de um e outro símbolo de seu tempo.
— Obras lítero-filosóficas da renovação dos saberes. Aqui seu pensamento é amplo e de certo ecletismo, distante e culto, que o impede de identificar-se com um só autor. Suas principais obras nessa linha são De disciplinis (1531) e De anima et vita (1538).
— Obras no plano político e social e no plano da educação. O pensamento social e político de Vives está em sua correspondência epistolar, sobretudo a de sua estada na Inglaterra, e em suas obras. De concordatia et discórdia in humano genere (1529); De pacificatione (1529); De Europae statu et tumultibus (carta a Adriano VI, 1522); De Europae desidiis et de bello turchico (1526). São obras de caráter político. De caráter social são De communione rerum (1527) e De subventionepauperum, um plano para a ajuda aos pobres de Bruges, o aspecto mais conhecido do educador e pedagogo. Obras como De institutione feminae christianae; De ratione studii puerilis (1526); Os diálogos da educação (… Linguae Latinae exercitatio 1538) fazem de Vives o grande mestre da educação humana e cristã.
— “Daí parte a necessidade de cultivar o espírito e enfeitá-lo com o conhecimento das coisas, com a ciência e a prática das virtudes. Do contrário, mais do que homem temos uma besta. Deve-se assistir às cerimônias sagradas com a maior atenção e reverência. Tudo quanto nela ouvires ou vires deves considerá-lo como algo grande, admirável e divino, que está por cima de teu alcance. Em tuas orações deves encomendar-te com frequência a Cristo, colocando nele toda a tua fé e confiança” (Diálogos sobre a educação, diálogo 25).
BIBLIOGRAFIA: Obras completas de Luis Vives. Edição de Gregório Mayans, Valência 1782-1790, reimpressão em Madrid 1953; Obras completas. Tradução de toda a obra de Vives por Lorenzo Riber, Madrid 1947-1948, 2 vols.; Carlos G. Norena, Juan Luis Vives, 1970; Diálogos de Luis Vives. Tradução, introdução e notas de Pedro R. Santidrián, Madrid 1987. (Santidrián)