Yin-Yang

 

O simbolismo da polaridade e da alternância é, como já vimos (§ 127), profusamente ilustrado na iconografia dos bronzes da época Chang. Os símbolos polares acham-se dispostos de tal sorte que lhes ressalte a conjunção: por exemplo, a coruja, ou outra figura que simbolize as trevas, é dotada de “olhos solares”, ao passo que certos emblemas da luz são assinalados por um sinal “noturno”. Segundo Carl Hentze, o simbolismo Yin-Yang é atestado pelos mais antigos objetos rituais, muito tempo antes dos primeiros textos escritos.

Observa Marcel Granet que, no Che-King, a palavra yin evoca a ideia de tempo frio e encoberto, e aplica-se ao que é interior, enquanto o termo yang sugere a ideia de exposição ao sol e de calor. Em outros termos, yang e yin indicam aspectos concretos e antitéticos do Tempo. Num manual de divinação, fala-se de “um tempo de luz” e de “um tempo de escuridão”, antecipando as expressões de Tchuang-tsé: “um (tempo de) plenitude, um (tempo de) decrepitude… um (tempo de) requinte, um (tempo de) acalmia… um (tempo de) vida, um (tempo de) morte” (Granet, La pensée chinoise, p. 132). O mundo representa, pois, “uma totalidade de ordem cíclica (too, pien t’ong), constituída pela conjugação de duas manifestações alternativas e complementares” (ibid., p. 127). A ideia de alternância parece ter prevalecido sobre a ideia de oposição. É o que demonstra a estrutura do calendário. Segundo os filósofos, durante o inverno, “o yang, seduzido pelo yin, sofre, no fundo das Fontes subterrâneas, sob a terra gelada, uma espécie de prova anual, de que sai vivificado. Foge da sua prisão no começo da primavera, ferindo o solo com o calcanhar: nesse momento, o gelo fende-se por si mesmo e as fontes despertam” (ibid., p. 135). O Universo revela-se, pois, como sendo constituído por uma série de formas antitéticas que se alternam de maneira cíclica.

Existe uma simetria perfeita entre os ritmos cósmicos, regidos pela interação do yang e do yin, e a alternância complementar das atividades dos dois sexos. E porque se reconheceu uma natureza feminina em tudo o que é yang, o tema da hierogamia revela uma dimensão tanto cósmica como religiosa. A oposição ritual entre os dois sexos exprime de fato, ao mesmo tempo, o antagonismo complementar das duas fórmulas de vida e a alternância dos dois princípios cósmicos, o yang e o yin. Nas festas coletivas da primavera e do outono, que constituem a parte essencial, o fecho de abóbada dos cultos pagãos arcaicos, os dois coros antagonistas, alinhados frente a frente, desafiam-se em versos. “O yang chama, o yin responde”, “chamam os rapazes, respondem as moças”. Essas duas fórmulas são intercambiáveis, assinalam o ritmo simultaneamente cósmico e social. Os coros antagonistas enfrentam-se como a sombra e a luz. O campo onde se reúnem representa a totalidade do espaço, assim como a assistência simboliza a totalidade do grupo humano e das coisas da natureza (Granet, op. cit., p. 134). E uma hierogamia coletiva coroava os festejos, ritual muito difundido no mundo. A polaridade, aceita como norma de vida durante o resto do ano, é abolida, ou transcendida, na união dos contrários. (HCIR)


De acordo com a linguagem da tradição extremo-oriental, sendo a luz yang, o calor, por ser considerado obscuro, é yin em relação a ela, do mesmo modo que a água, por outro lado, é yin em relação ao fogo; a linha reta é, portanto, yang e a linha ondulada, yin, também desses dois pontos de vista. (Guénon)


Luc Benoist

Se, por exemplo, na tradição do Ocidente, o lado direito é ativo e benéfico, o lado esquerdo passivo e “sinistro”, absolutamente o contrário é o que se passa na tradição chinesa, em que a mão direita será yin, isto é, feminina, pois leva os alimentos à boca, tarefa inferior, enquanto a mão esquerda será yang, porque ociosa.

Matgioi
Os dois traços fundamentais na constituição dos trigramas, e consequentemente dos hexagramas do I Ching, são as figuras representativas as mais simples que jamais existiram. De onde Fohi tomou estes ingênuos símbolos? Conta os “Ritos de Tsheou”: “Antes de traçar os trigramas, Fohi olhou o céu, depois abaixou os olhos para a terra, e observou as particularidades, considerou as características do corpo humano e de todas as coisas exteriores”. Os dois traços indicam um estado duplo, ou melhor, a igualdade de dois estados, comuns a toda a criação. Este símbolo em traço pleno pode ser aproximado ao símbolo circular do Yin-Yang, representação do princípio duplo: ativo-passivo, masculino-feminino, luminoso-obscuro, positivo-negativo, etc, que quando dividido nestas duas partes pelos observadores analíticos, produz o erro fatal de associação com o Bem e o Mal; embora uno em essência, este símbolo se constitui no Taiji ou Grande-Extremo, símbolo enérgico e absoluto, gravado no portal de todos os Templos e com o qual Laotseu encabeçou as doutrinas asiáticas.

O traço sem solução de continuidade representa o ativo; o traço descontínuo representa o passivo; e aos traços como ao princípios Fohi reconhece a essência e a unidade da perfeição, dos quais são apenas aspectos.

Giovanni Monastra: LE SYMBOLE DU “YIN-YANG” SUR LES ENSEIGNES DE L’EMPIRE ROMAIN?


Tao
Isabelle Robinet: “Les Notions philosophiques”, PUF, 1990

“Um Yin, um Yang, é o Dao”, escreve o Xici, um apêndice do I Ching onde se encontra os mais antigos desenvolvimentos sobre o Yin-Yang. A Unidade primordial se dividiu para dar nascimento ao mundo. As duas faces desta Unidade, sejam o Céu e a Terra, o movimento e o repouso, a sombra e a luz, a vida e a morte, o masculino e o feminino, o alto e o baixo… estão simbolizadas pelo Yin e o Yang que na origem designavam o lado sombrio (yin) e o lado ensolarado (yang) de uma montanha. O Yin e o Yang são como verso e o reverso de uma mesma entidade que não se pode ver ao mesmo tempo e que se respondem constantemente, opostos e complementares.

Todos conhecem o símbolo chinês do Polo Supremo, o Taiji, que representa o Yin e o Yang entrelaçados. Em uma esfera figurando o Caos primordial, a parte branca, yang e luminosa, se serpenteia ao redor da parte negra e yin, tenebrosa. Luz e trevas partilham assim a esfera que os engloba em duas metades que se compenetram e onde cada uma leva em seu meio o traço do outro: pois não há Yin sem Yang, nem Yang sem Yin. A linha que assim os separa desenha um S que os reúne um sobre o outro: onde o Yang cresce o Yin se comprime, onde o Yin cresce o Yang é diminuído; assim o antagonismo que os separa é ilustrado. Este S indica também o movimento de rotação que anima esta esfera, a qual é essencialmente movente. Pois o Yin e o Yang não são entidades, nem mesmos estados, mas linhas de força, princípios dinâmicos, aspectos em mutação.

Eis porque é difícil apreendê-los em uma forma final; não se pode defini-los nem situá-los. A única maneira exata seria de caracterizá-los como funções, relações, ou como movimentos que ao mesmo tempo se anulam e se juntam um ao outro. Mas também como duas escoras simbolizando todos os polos opostos definidos como limites da existência.

À origem do mundo, quando a fissão primeira cindiu em dois o caos primordial, o Yang leve subiu e formou o Céu, o Yin pesado desceu e formou a Terra. Céu e Terra são duas formas do Yin e do Yang. Mas, semelhante ao sol, o Yang, quando atinge se apogeu, decai. Por outro lado, como todo excesso engendra seu contrário, o Yang no máximo engendra o Yin que porta em seu seio quando retoma seu curso. Do mesmo modo, todo em baixo, sob a Terra, o Yin em seu extremo dá nascimento ao Yang. E eis como o Yang no final de seu curso para o alto decai em portando um Yin que cresce em seu meio, enquanto o Yin reflui para os céus a partir dos abismos em abrigando um Yang em seu regaço. Como o sol aparece ao horizonte saindo do mar, como os dias crescem no mais alto inverno. Assim se cruzam o Yin e o Yang: sobre ao céu o Yang levado pelo Yin ascendente, que decai em seguida, portando pela queda do Yang. O Yin que desce é mais fecundo, aquele que sobe é bruma e nuvens. O Yin que porta o Yang é Água ígnea dos alquimistas; o Yang no fundo da terra é ouro nos veios das montanhas, pérola no fundo da água. O sol e a lua são o Yang e o Yin celestes; respondem ao ouro e ao jade, Yang e Yin terrestres que nascem de uma acumulação de Yin no Yin da terra obscura.

O Yin e o Yang circulam entre o céu e a terra do norte ao sul, marcando a divisão inverno-verão: seu curso é vertical e corresponde ao eixo solsticial. Do mesmo modo, o sol e a lua circulam entre leste e oeste e balizam o dia e a noite: seu curso é horizontal e corresponde ao eixo dos equinócios, outono e primavera; eles figuram o Yin e o Yang sobre o plano da extensão.

No corpo humano, envelope yin contendo um sopro yang, o coração (yang e fogo) e os rins (yin e água) são Céu e Terra; o sopro-yang e os fluidos-yin que circulam de um a outro são ainda yin e yang. O adepto taoista e o médico chinês se esforçam por fazer circular, animar estas energias de acordo com os movimentos diurnos e anuais do Yin e do Yang — o Yang sobe de meia-noite a meio-dia e do solstício de inverno ao de verão: fazer subir o Yang nascido nos rins (Yang no Yin) e descer o Yin do coração (Yin do Yang), fazer decair o Yang do coração e subir o Yin dos rins e fazê-los se unir. A unidade dos dois princípios sendo figurada ao mesmo tempo pela conjunção e pelo movimento complementar que os cruza.

Sobre o plano macrocósmico, a obra é a mesma, realizada pelo soberano ou pelo Santo. O Rei exerce seu governo em função de um mandato celeste que se exprime pela aparição de signos fastos enviados pelo Céu, chuva fecunda (Yin do Yang), ou emanações celestes que transformam os animais e as plantas da terra em animais fantásticos, ou plantas de imortalidade radiantes de poder espiritual: animada pelo Yang celeste. O Rei ele mesmo desempenha o papel de receptáculo passivo e perfeitamente Yin que atrai o Yang e o faz decair sobre o mundo e por sua virtude, drena para ele as emanações benéficas do Céu. Garantindo a união das “duas metades” (é assim que os chineses designam o Yin e o Yang). realiza sua função. Do mesmo modo, o Santo, transformado em “cadáver” (a morte é yin), despojado dele mesmo para se tornar receptáculo inerte, Yin extremo, pode então “colher” nele o Yang nascente, a “Pérola obscura” que jaz no fundo das águas, que fará crescer e que lhe permitirá “subir ao céu em pleno dia”.

Os jogos do Yin e do Yang se exprimem sob a forma de lutas (o dragão yang e o tigre yin), desdobramentos e enclausuramentos (Yin no Yin, Yang no Yang), dupla imagem de uma mesma realidade. A relação dinâmica que une uma a outra as duas metades de uma mesma realidade obedece à lei que lhe dá existência: irmãs saídas de uma Só e Única Fonte, elas são inimigas; juntas em seu princípio, disjuntas em sua função.

Conhecer o movimento do Yin e do Yang, dizem os alquimistas, é essencial; é evitar a confusão absoluta como a separação absoluta; é conhecer o solve et coagula que deu nascimento ao mundo e que o abole, mas também que o mantém. É o entre-dois, entre Céu e Terra, que vive o Homem, o Mediador que lhes une nele. É preciso reconhecê-lo em cada momento, em cada lugar, o grau de separação e aquele de fusão dos dois princípios; é a arte do alquimista que dissolve e fusiona turno a turno; é aquela do médico que dosa, equilibra e regra o equilíbrio do corpo; é toda a arte do príncipe que dá a cada um seu lugar, que regra o calendário e fixa os ritmos da vida social e política.

A Unidade só se pode conhecer movente e mutante em sua operações, só se pode apreender na sua diversidade.