Liber Paramirum

Paracelso — LIBER PARAMIRUM
Excertos de Paracelso, Liber paramirum (c. 1530), II, 2, trad.: J. Grillot de Givry, Paracelse. Oeuvres médico-chimiques (1913), Ed. Archè, Milão, 1975, I, p. 239-245. Trad. Yara Azeredo Marino
A Medicina Hermética
Pois a múmia é o próprio homem. A múmia1 é o bálsamo que cura as feridas. O Mástique, as substâncias gomosas (gummata, gummi) e o Litargo (Glett) não concorrem nem um pouco (tantillum, ein tropffen) para a produção da carne, mas apenas impedem que a Natureza seja perturbada em sua operação. A regra é a mesma para as doenças internas. Se a própria Natureza se defende, então cura sozinha as doenças. Ela possui elementos certos para curá-los, que o médico ignora. É por isso que ele é somente o ministro e o defensor da Natureza.

Assim, há tantas propriedades interiormente na Natureza quanto exteriormente na ciência. Estas são inatas nela; nós as obtemos pelo ensinamento (ex institutione, auss der leehr). Somos tais, no exterior, que podemos executar as coisas que a natureza pode executar no interior. Isso deve ser compreendido de duas formas relacionadas ao poder da Medicina, isto é, da Medicina do grande mundo e daquela do homem. Um dos caminhos está nos processos defensivos (in defensivis, in Defensiven); o outro, nos processos curativos (in curativis, in Curativen). Quando defendemos a Natureza, servimo-nos de sua própria ciência. Pois sem ciência não há cura. Mas se, além da defesa, empregamos a ciência, então somos médicos e curadores (curatores, die heyler). Mencionei anteriormente apenas o costume dos médicos em geral, que nos é mostrado entre eles quais os que se desviam. É por isso que há dois tipos de médicos: os primeiros, que dão (addicunt, befehlen) à Natureza sua ciência e servem-se somente dos processos defensivos (ainda que alguns deles não compreendam nem mesmo a si próprios). Os outros são os curadores (curatores). Servem-se das ciências da própria Natureza. De tal modo que, se alguém é ferido, dois procedimentos de cura são oferecidos: o tratamento Defensivo e o tratamento Curativo. O tratamento defensivo foi relatado mais acima. O tratamento curativo (sanatio curativa) tem lugar se a ferida está inflamada (ventruda, ventricosum, zu einem Magen werden), de tal modo que os medicamentos são ministrados (indantur, darein thue), que geram a carne. Uma vez ministrado o medicamento na ferida, a natureza se eleva (insurgit, ist von innen herauss da) e ‘digere’ o medicamento na ferida, de tal modo que a carne se forma; e assim a própria ferida se comporta à maneira do ventrículo. Pois sem o ventrículo nenhuma dessas coisas poderiam se cumprir. Mas isso será explicado mais amplamente na cirurgia. Poderás julgar, segundo o mesmo princípio, com relação a todas as outras doenças, de que modo se encontra uma ciência no médico, e uma outra na Natureza do microcosmo.

Ora, agora é necessário compreender, por essas coisas, que o homem e as coisas externas sustentam entre si um certo acordo ou similitude, de tal modo que eles se convêm e se ajudam entre si (afficiunt ac admittunt). Isso quer dizer que o homem deve saber que, desde que ele tenha percebido claramente (perspexerit, erkennt) as naturezas das coisas, que se conhecem e se admitem mutuamente, então possuirá o conhecimento da Anatomia. Pois que, na verdade, o homem é formado do Limbo, e o Limbo é o mundo inteiro (universus mundus, dieganze Welt); e segundo isso foi estabelecido que tudo deve se harmonizar (admittere, annimpt) com seu semelhante. Pois se o homem não se constituiu assim deste orbe (kreys) e de todas as partes deste, então certamente o pequeno mundo (ou microcosmo) não existiu nem foi capaz (capax, fähig) de receber todas as coisas realizadas no grande mundo. É por isso que esta é a conclusão: tudo o que ele come e consome neste mundo é verdadeiramente ele próprio. Então, dado que este (o homem) nasceu do grande mundo, e que o grande mundo lhe é semelhante, logo ele faz parre igualmente do grande mundo. Pois o homem não foi formado do nada; ele foi feito (fabrefactus, gemachht) do grande mundo. É por isso que ele se encontra (consistit, steht) igualmente neste (grande mundo). Mas ele resulta de tudo isso porque é formado (constai, gemacht) daquele, ele vive daquele. É por isso que se essa filiação ou liame (nexus, anhang) existe, tal como aquela de um filho a seu pai, é igualmente verdade que ninguém levará mais rápido auxílio (opituletur, hilfft) ao seu filho que o próprio pai. Ele o ajuda e o assiste. Da mesma maneira, por consequência, o membro externo é a medicina do membro interno, e em seguida cada membro em consideração a um outro. Pois o grande mundo possui todas as proporções humanas, divisões, partes, membros etc, tal como o próprio homem. É por isso que o homem come e consome todas essas coisas na alimentação e nos medicamentos. Eles não diferem (distant, scheiden) um do outro em coisa alguma a não ser pelo corpo médio, a figura e a forma. Conforme a ciência, existe apenas uma única forma, uma figura e um corpo médio, em relação ao corpo físico. Assim, o corpo do homem absorve (assumit, nimpt an) o corpo do mundo, assim como o filho recebe o sangue do pai. Porque ele é apenas um sangue, um corpo, separado (geschieden) somente pela alma, mas, na verdade, conforme a ciência nada separado. Donde que o céu e a terra, o ar e a água são o homem, na ciência. E o homem, ele próprio, constitui um mundo, com um céu, uma terra, um ar e uma água, tal como na ciência. Assim, o Saturno do microcosmo atrai (asciscit, nimpt an) o Saturno do céu (…).





  1. Nota de J. Grillot de Givry: Múmia é sempre considerada por ele um tipo de coágulo de matéria sutil e muito pura, que reside no seio de toda substância composta e contém o espírito vital daquela substância; tal é o vinho, o leite, o sangue, que contêm cada um sua múmia particular. Notaremos em seguida as diversas acepções que ele dá ao termo. 

DIcionário da Idade Média