Logos de Platão (Abellio)

(Abellio, Serant1955)

É na medida mesma em que a ciência contemporânea se vê incapaz, no infinitamente grande e no infinitamente pequeno, de introduzir como mediadores seus mecanismos habituais, e onde consequentemente sua linearidade esbarra em obstáculos decisivos, que os cientistas são obrigados a falar da crise das ciências e a rever sua concepção de determinismo. A noção de feedback popularizada pela cibernética já coloca o problema do retorno sobre si da cadeia causa-efeito nos sistemas autorreguladores. Mas é evidentemente preciso ir muito mais longe, e considerar o modo de visão em simultaneidade como o próprio fundamento da visão absoluta.

A estrutura desta visão é a da proporção. Sob o nome de logos, Platão visa a função eminente e criadora da mediação, chamada também por ele e por Pitágoras pelo nome de harmonia. É esta mesma estrutura que Husserl descreveu quando reconstituiu, no seio da consciência absoluta, as relações do noema e da noese. Metafísica, fenomenologia transcendental e esoterismo regenerado se encontram assim explorando o mesmo campo: o do desdobramento das implicações da estrutura absoluta.

A força de evocação que possui o simbolismo procede desta estruturação implícita que sustenta suas aproximações e lhes confere um poder de integração independente da “letra” do símbolo, um poder que anuncia que cada símbolo é ele mesmo integrável e não é senão um foco de sentido provisoriamente isolado num foco mais vasto que espera ser nomeado. A aura do simbolismo, seu irradiar inefável, esta espécie de abertura poética que os símbolos cavam ao seu redor, devem-se a esta falta de explicitação do poder alusivo que deles procede. Esta falta não é senão a evocação de uma plenitude.

Só que, à medida que os símbolos multiplicam suas valências na consciência objetivante e tecem entre si uma trama cada vez mais apertada, esta evocação torna-se dramática. O homem se perde nesta floresta, e quer ao mesmo tempo perder-se e encontrar-se nela. É então que a invocação nasce do paroxismo da evocação. Que esta invocação seja de boa ou má qualidade, ninguém poderá julgá-lo senão de fora, se puder ou não sobrepor a esta exuberância poética a armação geométrica da estrutura absoluta, e se, intensificando a efusão mesma por esta infusão, for capaz de fazer jorrar em si mesmo uma luz mais ardente por ser gelada, a luz da ordem. O conhecimento é ordem, ou não é. Daí o papel tradicionalmente atribuído ao “mestre”.

Qualifica-se como mestre aquele que possui a visão da estrutura absoluta, aquele que é capaz de ultrapassar as estruturas amputadas ou alienadas e completá-las, de situar exatamente os polos de sentido em suas correspondências, de dialetizar o que ainda é linear e não circular ou melhor esferoidal, sucessivo e não simultâneo, estático e não genético. Em definitivo, o mestre não faz senão ajudar o discípulo a passar do estado de evocação ao de invocação.

Esta capacidade de estruturação pertence ao que Husserl chama intuição das essências, e escapa à psicologia natural: é da alçada da análise intencional que está na base do método fenomenológico moderno e põe em jogo todo o poder gnóstico do ser. Todos os devaneios verbais da mitologia poética, sua maneira de hipostasiar deuses e demônios, estão ligados a uma falta desta capacidade.

Com efeito, a regra de ouro do simbolismo não é, sob pretexto de que tudo está em tudo, aproximar palavras, mas destacar as estruturas onde as aproximações se efetuam, as filiações bilaterais onde elas se enlaçam. E a estrutura é aqui transcendente às próprias palavras, o verbo prevalece sobre o nome, a função sobre o órgão, a polaridade apaga os polos.

Sabe-se que na Cabala hebraica, os nomes possuem um valor numérico que resulta da adição dos valores cifrados de suas letras. Esta cifragem é efetuada com o auxílio de chaves tradicionais, e chega-se evidentemente ao resultado de que palavras de sentido muito distante têm o mesmo valor. Dispõe-se assim de uma mina a céu aberto de aproximações e alegorias onde cada um pode se servir à vontade, sem controle e sem constrangimento, as palavras mais inesperadas vindo se reunir num verdadeiro delírio dos sentidos. Inútil dizer que esta exegese não passa de uma caricatura da verdadeira guematria cabalística.

No entanto, por força de hipostasiar nomes, alienam-se os sentidos. Esta preeminência da estrutura aparece, aliás, na matemática moderna. Na axiomática, que é o cume integrador da matemática, a estrutura acabou por apagar o objeto. Dir-se-á que os cabalistas vulgares não possuem a intuição das essências. Será preciso negar todo valor a seus jogos? Esta desordem também tem um sentido. Ela é “a infância da arte”. Quando inventou a perspectiva, Uccello acordava sua mulher à noite para lhe dizer: Que coisa admirável é a perspectiva! No entanto, a perspectiva de Uccello era falsa.

Inversamente, o sucesso das teorias psicanalíticas e, em todo caso, a facilidade com que se escamoteou, no espírito dos praticantes, o grave problema de seu fundamento, deve-se ao fato de que os principais arquétipos, aqueles em torno dos quais se organizam todos os outros, organizam-se eles mesmos segundo uma estrutura, a da família — Pai, Mãe, Filho, Filha — da qual é fácil mostrar que não passa de uma ilustração da estrutura absoluta.

O caráter de evidência que toma o estatuto dos arquétipos não significa aliás que esta organização seja realmente compreendida pelos psicanalistas e que os polos de sentido substantivados por eles não acabem por obliterar o jogo da transcendência. O mesmo ocorre em astrologia. Esta ciência, como qualquer outra, recomeça pelo empirismo, e seu código tradicional de interpretações permanece sujeito à experiência.

No entanto, já a virtude própria do simbolismo lhe confere poderes mais amplos. A invenção ou descoberta (como se queira) dos dois planetas suplementares que receberam os nomes de Vulcano e Prosérpina resulta da necessidade, ao mesmo tempo empírica (pois é experimentada e vivida) e intuitiva (pois seu objeto é a priori e absoluto), de completar a repartição planetária até então admitida, que não permitia à dialética das analogias e complementaridades jogar plenamente. A estrutura absoluta desempenha aqui mais uma vez um papel indutor.

 

 

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