Segundo Helen Luke, Dante nos relata no Paraíso este estado de graça em que se corrige definitivamente nossa percepção de multiplicidade de coisas, ou mesmo de simples dualidade. O estado de graça é de unicidade, onde todas as almas a quem ele dialoga habitam igualmente no centro, dentro do Céu que é a quietude de Deus (II,112). Entretanto isto se apresenta para ele como uma hierarquia, em menores e maiores imagens, porque ele é, na história, ainda incapaz de apreender essa unidade que contém toda a diversidade e está além do tempo e do espaço. A estrutura do Paraíso está baseada na cosmologia da época (vide C.S.Lewis), e diferentes almas lhe aparecem em cada um dos sete planetas e no reino das estrelas fixas. Ele então entra na esfera dos anjos e chega finalmente no Empíreo e na rosa branca do centro, onde ele experimenta a unidade final. Assim é o Paraíso: o relacionamento da pessoa única ao todo e a unidade final de tempo e eternidade que é uma graça.
É disso que trata o Paradiso: o relacionamento da pessoa única com o todo e a unidade final do tempo e da eternidade, que é a bem-aventurança. Muitos poetas abordaram esse tema em palavras e imagens; de fato, a intuição dessa verdade é o poder criativo no coração de toda grande arte. Somente Dante, no entanto, ousou nos levar a esse reino de alegria e nos manter lá por trinta e três cantos, conclamando-nos a exercitar cada faculdade de nosso ser ao máximo, de modo que, se uma vez nos entregarmos ao seu significado, nunca mais poderemos imaginar o Céu como uma espiritualidade sem corpo, um vago êxtase emocional ou uma dissolução no nada.
Para Dante, o todo não é um conceito indiferenciado ou um brilho indefinido de luz; é literalmente tudo. Se quisermos conhecê-lo, ele deve chegar até nós simultaneamente por meio da clareza e da precisão do pensamento, da intensidade e da sutileza do sentimento, da percepção não nebulosa dos sentidos e da visão intuitiva que une todos eles. Tudo isso sua poesia desperta em nós por meio de imagens — desde as mais caseiras e cotidianas até as mais sublimes — imagens de visão e som, de movimento e cor e, acima de tudo, de luz, que é única e padronizada em infinita variedade. “Em nenhum lugar da poesia uma experiência tão remota da experiência comum foi expressa de forma tão concreta, por meio de um uso magistral da imagem da luz. .” escreve T.S. Eliot. Ele também diz: “Uma vez que tenhamos pego o jeito do tipo de sentimento nele [o Paradiso], nenhuma parte dele é difícil. Pois estamos ouvindo não apenas algumas das poesias mais gloriosas já escritas, mas também uma história — a história de um homem comum, de carne e osso, como nós, cuja experiência de amor humano cresce e se expande para a divindade, se aprofunda e se contrai em um único ponto, de modo que todo o seu ser é atraído como por um ímã para a visão de Deus. Essa não é a experiência de um asceta separado em um reino que não podemos esperar alcançar; temos apenas que seguir nosso próprio amor humano até a raiz, para finalmente chegar a essa mesma grande visão.
No entanto, tem havido uma crença generalizada de que, enquanto o Inferno e o Purgatório podem falar à mente e ao coração do leitor comum, o Paradiso é algo a ser deixado para os estudiosos; pois certamente ninguém, a não ser um especialista, poderia querer pois, com certeza, ninguém, a não ser um especialista, poderia querer se debater com as visões ultrapassadas do cosmos e com a filosofia escolástica “seca” que se encontra ali, ou ouvir longas descrições de alegria e bem-aventurança que, supõe-se, devem ser entediantes. É estranho que a maioria das pessoas esteja convencida de que as descrições de felicidade devem ser maçantes. Isso provavelmente se deve ao fato de a alegria ser confundida com um otimismo superficial, com aquela alegria que, como diz Eliot, está muito mais distante da alegria do que o próprio inferno. Assim, muitas pessoas que adoraram os dois primeiros Canticas nem sequer começam a ler o terceiro. Isso se deve ao fato de que muitos dos comentaristas são, na verdade, estudiosos sem uma verdadeira visão poética. Eles, é claro, apontam que a poesia no Paradiso é ainda mais bela do que nos outros Cânticos, apesar do tema — o que certamente é um absurdo. O estilo em um poeta supremamente grande não é algo que possa ser separado de seu tema; se a poesia se eleva a novos patamares de beleza e poder, podemos ter certeza de que o tema também o faz.
[LukeDWWR]