(Riffard1996)
A filosofia oculta ou a magia das virtudes ocultas das coisas (De occulta philosophia)
«Além disso, há outras virtudes nas coisas que não pertencem a nenhum elemento, como, por exemplo, impedir o efeito do veneno, repelir os antrazes, atrair o fogo ou qualquer outra coisa. Esta virtude é a consequência da espécie ou da forma das coisas, que faz com que com uma pequena quantidade não se consiga um efeito pequeno, coisa que não se encontra na qualidade de um elemento. Estas virtudes, ainda que sendo muito formais, podem causar grandes efeitos com a mais pequena matéria. Pelo contrário, a qualidade elementar precisa de muita matéria para obrar. As propriedades ocultas chamam-se assim porque as suas causas não se tornam visíveis e o espírito humano não pode penetrá-las. Esta é a razão porque só os filósofos, mais por grande experiência do que por razões naturais, puderam adquirir parte do seu conhecimento, pois da mesma maneira que os alimentos se digerem no nosso estômago, devido ao calor que já conhecemos, também se transformam devido a uma virtude oculta que nos é desconhecida e não pelo calor, já que se assim fosse, transformar-se-iam melhor no fogo que no estômago. Da mesma maneira, há nas coisas qualidades elementares que conhecemos e certas virtudes que lhes são naturais e nascem com elas. Nós admiramo-las e estranhamos que não as conheçamos ou não as termos visto nada ou quase nada. Exemplo disto temos no Fénix, que é um pássaro que renasce de si mesmo, como disse Ovídio:
Há um pássaro a quem os assírios chamam Fénix que renasce de si mesmo…
Noutra parte diz:
Os egípcios reúnem-se para admirar o objecto maravilhoso e seguidamente fazem as suas orações diante deste pássaro único.
Matreo fez-se admirar por gregos e romanos dizendo que alimentava um animal selvagem que se devorava a si mesmo e ainda hoje muita gente procura saber qual era o animal de Matreo. Quem não se admirará ao saber que há peixes debaixo da terra, como disseram Aristóteles, Teofrasto e Políbio, o historiador? E o que nos disse Pausanias sobre certas pedras que cantam?
São outras tantas operações de virtudes ocultas. O mesmo se diz da avestruz, cujo estômago se crê que não se altera ante o ferro quente e que digere o ferro frio e inclusivamente algo mais duro, para a sua alimentação. Da mesma maneira o peixinho echeneis 1 trava de tal modo o ímpeto dos ventos e doma o furor do mar, que sejam quais forem as violências e forças da tempestade e as velas usadas pelos navios, por pouco que lhes toque, amansa-as, trava-as e deixa-as sem movimento. Também as salamandras e essas sevandijas chamadas pyraustoe vivem no fogo e, ainda que pareça que se queimam, nada as impede contudo de se conservarem. O mesmo acontece com certa goma, com a qual se diz que as Amazonas esfregavam as suas armas, para que não se gastassem ou estragassem devido ao ferro e ao fogo. Crê-se também que Alexandre Magno esfregou com ela as portas caspianas que eram de bronze.
Está escrito que a Arca de Noé, construída há tantos milhares de anos e que ainda existe nas montanhas da Arménia, foi feita com esta goma. Há ainda uma quantidade de outras maravilhas deste tipo que são quase inacreditáveis mas que, não obstante, foram provadas pela experiência: as histórias antigas mencionam uns Sátiros, animais de figura metade humana e metade animal, mas capazes de raciocinar e de quem São Jerónimo disse que um tinha falado um dia a Santo António, o Eremita, condenando o erro de os gentios adorarem os animais e exortando-o a que rogasse a Deus por ele. Assegura também que antigamente, tendo um deles sido feito em público, foi imediatamente enviado a Constantino.
- Echeneis: palavra de origem grega que significa etimologicamente segurar barcos. Peixe chamado echeneis: trata-se da rémora, pequeno peixe que tem na cabeça um disco oval de bordas espessas e contrácteis, com o qual se fixa em qualquer corpo sólido submarino. (N. do T.)[↩]