Muito relevante é o posicionamento da cultura do Renascimento relativamente a este contraste de fundo entre a astrologia e o espírito religioso cristão. De facto, embora acolhendo da tradição religiosa cristã a reivindicação da liberdade humana e mantendo, consequentemente, que a consideração das acções humanas na sua relação com a estrutura universal das causas e, especialmente, com o influxo dos corpos celestes não deveria ser julgada determinante, aquela cultura não pôde, por outro lado, eximir-se ao reconhecimento de que o espírito científico e racional do tempo se encontrava do lado da astrologia. A mediação cultural mais significativa encontra-se na utilização das estruturas da astrologia para a própria celebração da dignidade do homem; foi o que se verificou com a acentuação do carácter prático dos horóscopos e quase na sua transformação. Enquanto, de facto, a astrologia antiga, mesmo na configuração dos horóscopos, tinha por sua própria medida o passado, pois eles tendiam principalmente a mostrar em que estrutura já definida deveria entender-se inserido o futuro, sem hipótese de desvios ou de derrogações, a astrologia do Renascimento confere ao futuro uma maior importância e uma maior autonomia, ao mesmo tempo que atribui ao horóscopo uma dimensão dinâmica e o considera, mais do que como determinação de um ciclo concluído, como indicação de uma situação aberta, onde um novo ciclo de acontecimentos pode achar o seu início. Não é de facto por acaso que, na era do Renascimento, os horóscopos tenham perdido a sua caracterização fatalista e se tenham tornado, nas mãos dos homens de acção, dos condottieri, príncipes e chefes, instrumentos aperfeiçoados da análise das circunstâncias, dos quais se poderia extrair a indicação dos acontecimentos possíveis e a sua distinção dos impossíveis, sempre com o objectivo de predispor o desenvolvimento mais racional e prudente da acção. E em particular com a teoria das interrogações e das eleições que as astrologia do Renascimento ensina a examinar o estado do céu num determinado momento, para se poderem compreender as consequências e pôr assim o homem de acção em condições de determinar e apreender a complexidade das circunstâncias mais favoráveis para a acção e para a iniciativa. De tal forma a liberdade do homem não é apenas um motivo abstracto, mas antes se configura como iniciativa concreta capaz de se inserir, com uma continuidade sua, dentro do enredo dos acontecimentos que constituem o determinismo cósmico; e a acção humana, por um lado, não quebra de forma completa a concatenação que mantém com os acontecimentos cósmicos, enquanto que, por outro lado, está em condições de inserir naquela cadeia o seu conteúdo original e a sua iniciativa autónoma. É à luz desta exigência que melhor se pode compreender a natureza ambígua da astrologia do Renascimento e as posições em relação a ela; os homens de cultura não quiseram e não puderam subtrair-se ao renovado princípio cristão da liberdade humana e dedicaram-se com entusiasmo à celebração da sua dignidade; mas não deixaram de observar quanto a astrologia continha de compreensão unitária do mundo e de tentativa de explicações racionais do universo dos acontecimentos individuais e históricos.
Significativos são, ao mesmo tempo, o contraste e a estreita ligação que na era do Renascimento foram determinados entre a astrologia e a magia; enquanto a astrologia remete para um universo fechado e definitivo a cuja estrutura regular se devem reportar todos os acontecimentos particulares, a magia faz apelo à iniciativa operante do sujeito, e abre-se ao novo e ao imprevisto; de um lado um universo necessário e em tudo determinado, do outro, um universo em desenvolvimento, aberto à afirmação do reino do homem. Mas esta oposição verbal é apenas um dos aspectos da cultura do Renascimento; o outro aspecto, complementar do primeiro, reside no facto de a magia renascentista ser bem outra coisa que um apelo à criatividade incondicional e à acção arbitrária do homem; ao contrário, o homem não pode mostrar a sua iniciativa no mundo e na manipulação da experiência senão sob a condição de entrar com o seu conhecimento na estrutura mais profunda e unitária da realidade universal; por isso mesmo, a disciplina objectiva e naturalista imposta pela astrologia é a condição primordial do desenvolvimento concreto da magia. Assim se volta a estabelecer entre ambos um vínculo de continuidade que parecia aparentemente destruído.
[Mario Dal Pra: Excertos de seu ensaio na Enciclopédia Einaudi]