Mestre-Discípulo (Abellio)

(Abellio1984)

Voltando à questão essencial colocada no final do parágrafo anterior, e mantendo a linguagem do nosso exemplo, resta determinar com quem — ou seja, com quais mestres — além de qualquer forma de comunicação, podemos entrar em comunhão como discípulos ou, se preferir, como pesquisadores.

O caso mais simples é aquele em que o mestre e o discípulo, em sala de aula, anfiteatro ou qualquer outro lugar, estão presentes um para o outro; é dessa presença direta e viva que falamos anteriormente ao evocar como as vivências de consciência respectivas de um e outro podem vir a coincidir. O caso seguinte é aquele em que o mestre, ainda vivo, se expressa através de um livro estudado pelo discípulo; nesse caso a presença não é nem direta nem viva, pois se interpõe então, entre os interlocutores, a tela da obra em questão: é totalmente ex cathedra que nessa circunstância o mestre se dirige ao discípulo, e este só pode interrogar aquele reexaminando incessantemente os termos fixados de uma vez por todas do discurso impresso. Essa presença se reduz a uma espécie de pseudo-presença que Husserl chama de presentificação; é da mesma ordem que aquela que se manifesta na visão de um retrato ou na evocação de uma lembrança. É claro que tal estudo literal pode ser suficiente para [41] suscitar, além da comunicação escrita, a verdadeira comunhão própria da presença efetiva: pode-se captar autenticamente o que se lê. Caso contrário, o discípulo pode se valer de comentários escritos ou orais sobre a obra considerada, interrogar pessoas que tiveram contato direto ou indireto com seu mestre, e até mesmo, no limite, encontrar este pessoalmente. Sendo esta última possibilidade sempre oferecida, já que supusemos o mestre vivo, somos evidentemente reconduzidos, em qualquer caso, ao exemplo anterior da presença em pessoa.

No caso, enfim, em que o mestre está morto, é evidentemente impossível encontrá-lo pessoalmente, e mesmo as diversas evocações que poderiam sugerir, por exemplo, o espiritismo ou a parapsicologia não passariam de presentificações. O discípulo só pode então recorrer a três soluções: a leitura de suas obras, se escreveu alguma; o estudo dos comentários sobre elas, se existirem; e finalmente o encontro com pessoas que tiveram contato com esse mestre, se ainda houver alguma viva. É evidente que com o tempo a presença pessoal do mestre se esvai cada vez mais, essa presença efetiva cedendo sucessivamente lugar à obra escrita, aos comentários orais e depois escritos do pensamento original, e finalmente, no limite, à lenda e até mesmo ao mito, como pode suscitar, por exemplo, uma tradição puramente oral.

No limite dos limites, a pessoa do mestre se perde assim nas areias, no sentido de que seu pensamento se dispersa, se esparrama mesmo em múltiplos aspectos originalmente coerentes, mas que o tempo, pelas inevitáveis distorções que produz, tornou irredutíveis e contraditórios — separados — como são justamente os grãos de areia do deserto. No entanto, nessa disseminação, fora — ou dentro — de uma comunicação totalmente desarticulada, átomos de sentido se mantiveram, embora a distância temporal torne cada vez mais aleatória e penosa uma eventual reunificação. É o que ocorre, por exemplo, com a enorme massa de documentos tradicionais de todas as origens cujos autores, perdidos na noite dos tempos, se tornaram em sua maioria míticos, e cujo esoterismo clássico busca restituir o sentido da maneira externa evocada há pouco. Além de uma comunicação feita [42] assim de pedaços e retalhos, transmitida muitas vezes por detentores apócrifos de um conhecimento antigo, pode-se perguntar que tipo de comunhão pode se estabelecer, e mesmo se a noção de comunhão não é aqui totalmente desprovida de sentido.

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