NECROMANCIA
Necromante, Evocação dos Mortos
VIDE
De todas as práticas mágicas, as práticas evocatórias são as que, entre os antigos, foram o objeto das proibições mais formais; e não obstante se sabia então que o que podia tratar-se de evocar realmente, não eram «espíritos» no sentido moderno, e que os resultados aos que se podia pretender eram em suma de uma importância mínima; como se teria julgado, pois ao espiritismo, caso, o que não é o caso, as afirmações deste correspondam a alguma possibilidade? Sabia-se bem, dizemos, que o que pode ser evocado não representa o ser real e pessoal, em adiante fora de alcance porque passou a outro estado de existência (voltaremos a falar disto na segunda parte deste estudo), a não ser unicamente esses elementos inferiores que o ser deixou em certo modo detrás dele, no domínio da existência terrestre, depois dessa dissolução do composto humano que chamamos a morte. É isso, já o havemos dito, o que os antigos latinos chamavam os «mânes»; é também isso ao que os hebreus davam o nome de ob, que se emprega sempre nos textos bíblicos quando se trata de evocações, e que alguns tomam sem razão pela designação de uma entidade demoníaca. Com efeito, a concepção hebraica da constituição do homem concorda perfeitamente com todas as demais; e, nos servindo, para nos fazer compreender melhor sobre este ponto, de correspondências tomadas à linguagem aristotélica, diremos que não somente o ob não é o «espírito» ou a «alma racional» (neshamah), mas sim não é tampouco a «alma sensitiva» (ruah), nem tampouco a «alma vegetativa» (nephesh). Sem dúvida, a tradição judaica parece indicar, como uma das razões da proibição de evocar o ob, que subsiste uma certa relação entre este ob e os princípios superiores, e terei que examinar este ponto mais de perto tendo em conta a maneira bastante particular em que esta tradição considera os estados póstumos do homem; mas, em todo caso, não é ao espírito ao que o ob permanece ligado direta e imediatamente, é ao contrário ao corpo, e por isso é que a língua rabínica lhe chama habal de garmin ou «sopro das ossadas» (e não «corpo da ressurreição», como o traduziu o ocultista alemão Carl von Leiningen — comunicação feita à Sociedade Psicológica de Munique, em 5 de março de 1887); isto é precisamente o que permite explicar os fenômenos que assinalamos mais atrás. Assim, o que se trata não se parece em nada ao «perispírito» dos espíritas, nem ao «corpo astral» dos ocultistas, que se supõem que revestem o espírito mesmo do morto; e pelo resto há ainda outra diferencia capital, já que isso não é de nenhum modo um corpo; é, se se quiser, como uma forma sutil, que somente pode tomar uma aparência corporal ilusória ao manifestar-se em certas condições, daí o nome de «duplo» que lhe davam então os egípcios. Ademais, não é verdadeiramente mais que uma aparência sob todos os aspectos: separado do espírito, este elemento não pode ser consciente no verdadeiro sentido desta palavra; mas possui não obstante um arremedo de consciência, imagem virtual, por assim dizer, do que era a consciência do vivo; e o mago, ao revivificar essa aparência lhe emprestando o que lhe falta, dá temporariamente a sua consciência reflexa uma consistência suficiente para obter dela respostas quando a interroga, assim como isso tem lugar concretamente quando a evocação se faz com uma meta adivinhatória, o que constitui propriamente a «necromancia». Desculpar-nos-emos se estas explicações, que serão completadas com o que diremos a propósito de forças de outra ordem, não parecem perfeitamente claras; é muito difícil pôr estas coisas em linguagem ordinária, e a gente está obrigado a contentar-se com expressões que não representam frequentemente mais que aproximações ou «maneiras de falar»; a falta se deve em boa medida à filosofia moderna, que, ao ignorar totalmente estas questões, não pode proporcionar uma terminologia adequada para as tratar. Agora, também poderia produzir-se, a propósito da teoria que acabamos de esboçar, um equívoco que importa prevenir: se se ficar em uma visão superficial das coisas, pode parecer que o elemento póstumo de que se trata seja assimilável ao que os teosofistas chamam «cascões», que fazem intervir efetivamente na explicação da maioria dos fenômenos do espiritismo; mas não é nada disso, embora esta última teoria se derive muito provavelmente da outra, mas por uma deformação que prova a incompreensão de seus autores. Efetivamente, para os teosofistas, um «cascão» é um «cadáver astral», quer dizer, o resto de um corpo em via de decomposição; e, além de que se reputa que este corpo não é abandonado pelo espírito a não ser em um tempo mais ou menos longo depois da morte, em lugar de estar ligado essencialmente ao «corpo psíquico», a concepção mesma dos «corpos invisíveis» nos aparece grosseiramente errônea, e é uma daquelas que nos fazem qualificar o «neo-espiritualismo» de «materialismo transposto». Sem dúvida, a teoria da «luz astral» do Paracelso, que é de um alcance muito mais geral, que isto do que nos ocupamos à presente, contém ao menos uma parte de verdade; mas os ocultistas apenas a compreenderam, e tem muito poucas relações com seu «corpo astral» ou com o «plano» ao que dão o mesmo nome, concepções completamente modernas, apesar de suas pretensões, e que não concordam com nenhuma tradição autêntica.
Gnosticismo
Evangelho de Tomé
Evangelho de Tomé – Logion 106
A exegese manifesta se preocupou em dar uma explicação ao ato de necromancia reprovável, da evocação do defunto. Em alguns casos, como o de Saul e a pitonisa de Endor que evocaram o espectro de Samuel, o costume desta prática é muito patente (1S 28, 1-19). Mas o que do ponto de vista da exegese oculta resulta importante não é a catalogação ética da prática, que o narrador provavelmente encena como ocorre com tantas outras passagens da Escritura, senão a doutrina que revela. O narrador dá como um saber estendido, participado por todos, que a alma, ou defunto, vive no Seol, sem seu revestimento corpóreo denso, o qual foi previamente morto.
O relato começa por confirmar que “Samuel tinha morrido; toda Israel o havia chorado e foi sepultado em Rama”. Com essa declaração prévia fica excluída toda possibilidade de que Samuel aparecesse em seu corpo mortal, que jazia sepultado. Depois, uma vez evocado o espectro de Samuel, o que a pitonisa viu foi “um elohim, que subia do Seol”. O espectro ou “elohim” puro que agora era Samuel, devia ser similar ao Samuel vivo, pois era reconhecível.
A cena da evocação termina com uma declaração de caráter geral: “Amanhã tu (Saul) — diz o espectro — e teus filhos estareis comigo (no Seol).
Com efeito, Saul e seus filhos morrerão na batalha contra os filisteus, pelo que foram ao Seol, o e o fizeram, sem dúvida, como hóspedes incorpóreos.