Resta ainda resolver uma aparente contradição: o norte é designado como o ponto mais alto (uttara), e é aliás para esse ponto que se dirige o curso ascendente do Sol, enquanto que o curso descendente está dirigido para o sul, que aparece assim como o ponto mais baixo. Mas, por outro lado, o solstício de inverno, que corresponde ao norte no ano, marca o início do movimento ascendente, que é em certo sentido o ponto mais baixo; e o solstício de verão, que corresponde ao sul, onde termina o movimento ascendente, é sob esse mesmo ângulo o ponto mais alto, a partir do qual começará a seguir o movimento descendente, que terminará no solstício de inverno. A solução dessa dificuldade reside na distinção que deve ser feita entre a ordem “celeste”, à qual pertence o curso do Sol, e a ordem “terrestre”, à qual pertence, ao contrário, a sucessão das estações. Segundo a lei geral da analogia, essas duas ordens devem, em sua própria correlação, ser inversas uma da outra, de tal modo que o que é o mais alto de acordo com uma, torna-se o mais baixo de acordo com a outra, e vice-versa. É por isso que, segundo a palavra hermética da Tábua de Esmeralda, “o que está no alto (na ordem celeste) é como o que está embaixo (na ordem terrestre)”, ou ainda que, segundo a palavra evangélica, “os primeiros (na ordem primordial) serão os últimos (na ordem manifestada)”. Além disso, é também verdadeiro que, no que se refere às “influências” inerentes a esses pontos, é sempre o norte que permanece “benéfico”, quando o consideramos como o ponto para o qual se dirige o curso ascendente do Sol no céu, ou, em relação ao mundo terrestre, como a entrada do deva-loka. Do mesmo modo, o sul permanece sempre “maléfico”, se o considerarmos como ponto para o qual se dirige a marcha descendente do Sol no céu, ou, em relação ao mundo terrestre, como a entrada do pitri-loka. É preciso acrescentar que o mundo terrestre pode ser considerado aqui, por transposição, como uma representação de todo o conjunto do “cosmo”, enquanto que o céu representará, de acordo com a mesma transposição, o domínio “extracósmico”. Desse ponto de vista, é à ordem “espiritual”, entendida em sua acepção mais elevada, que deverá aplicar-se a consideração do “sentido inverso” em relação, não apenas à ordem sensível, mas à ordem cósmica como um todo.
A esse duplo ponto de vista corresponde, entre outras aplicações, o fato de que, nas figurações geográficas ou outras, o ponto colocado no alto pode ser o norte ou o sul; na China é o sul e, no mundo ocidental, ocorreu o mesmo com os romanos e durante um período da Idade Média. Aliás, esse uso é na verdade, segundo o que acabamos de dizer, o mais correto no que diz respeito à representação das coisas terrestres, enquanto que, ao contrário, quando se trata das coisas celestes, é o norte que deve normalmente ser colocado no alto. Sem dúvida, a predominância de um ou outro desses pontos de vista, segundo as formas tradicionais, ou segundo as épocas, pode determinar a adoção de uma disposição única para todos os casos indistintamente. A esse respeito, o fato de colocar o norte ou o sul no alto aparece em geral ligado sobretudo à distinção das modalidades “polar” e “solar”, colocando-se no alto o ponto que se tem diante de si, ao orientar-se por uma ou outra dessas modalidades, tal como explicaremos na nota seguinte. (Guénon)