(Abellio, Serant1955)
[…] o espírito no qual são conduzidas hoje as pesquisas esotéricas que nos parece dever ser objeto da mais estrita revisão. Apesar das boas intenções afirmadas pelos esoteristas “tradicionais”, o esoterismo aparece sobretudo aos olhos do público como um libelo contra o mundo e a ciência modernos. No início do prefácio de sua obra fundamental: O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos (RQST), René Guénon indica que tudo, na manifestação, faz parte do plano de Deus e possui por isso um sentido positivo. É nesse espírito que o servo de Deus já dizia a Javé: “Não poderíeis odiar nada do que fizestes”. Não se pode dissimular, no entanto, que, em vez de se consagrar, na linha dessa afirmação, à elucidação do sentido de todas as coisas, mesmo e sobretudo daquelas que são em aparência, para o senso comum, as mais aberrantes, o esoterismo dito tradicional se transforma na maioria das vezes, seguindo o próprio Guénon, em um longo panfleto e que, em nome da sabedoria do antigo Oriente, seu julgamento sobre o Ocidente e suas doutrinas se resume em um puro e simples anátema. Ao criar assim adversários e ao combater em seu terreno, o esoterismo deixa crer que pode efetivamente ter adversários, e sobretudo que não possui um campo de ação que lhe seja próprio, onde todo “inimigo” se torna justamente, na interdependência universal e enquanto polo de estrutura e portador de sentido, um aliado. Ora, mais uma vez, a estrutura deveria ser aqui mais importante que o “fato” ou o “acontecimento” que ela encerra e cuja parcialidade integra. A razão profunda dessa atitude polêmica é que esse esoterismo não operou realmente a conversão do antigo objetivismo ingênuo, e que, atribuindo um sentido absoluto a “fatos” separados, a “intersubjetividade” ainda não é para ele senão uma palavra.Teríamos evidentemente, de nossa parte, que buscar também o sentido dessa sobrevivência da polêmica no seio da “ciência sagrada”, e nos interrogarmos para saber se a polêmica que engajamos sobre o sentido da polêmica é ainda polêmica. No entanto, essa precaução nos parecerá cada vez mais supérflua à medida que os poderes interiores transfigurarem para nós todo instrumento exterior e que a própria doutrina da transfiguração for realmente vivida e encarnada. Resta que será essencial operar em todo “esoterista”, e por exemplo em Guénon, a partilha da negatividade e da positividade. Essa é uma obra de longo fôlego e que não temos nem a ambição nem a possibilidade de conduzir de maneira abrupta. O leitor perceberá, por exemplo, que o ensaio de Paul Sérant, que segue esta introdução, é de inspiração muito mais guenoniana que husserliana, e mesmo que Guénon nele está frequentemente presente, enquanto Husserl nele não está de modo algum. Poderíamos dizer aqui que não aceitamos um bom número dos julgamentos de Paul Sérant se não déssemos seu texto justamente pelo que ele é, o testemunho de um certo estado provisório da consciência moderna diante de um esoterismo em pleno movimento. Sérant opõe “sociedades tradicionais” e “sociedade moderna” de maneira linear, sem considerar que os “vícios” ou os “constrangimentos” da sociedade atual são a condição necessária de uma tomada de consciência mais elevada da própria Tradição. Sua condenação do progresso técnico procede de uma alienação do campo do conhecimento transcendental no campo da técnica. No entanto, enquanto Guénon deixa a “iniciação” prisioneira de um formalismo ritualista que a iniciação tem justamente por objetivo elucidar, senão abolir, e discute o valor desse formalismo de maneira formal, em vez de examinar sua substância, Sérant deixa o problema em aberto. Mas, é porque ele não tenta ainda fazer da contemplação o paroxismo da meditação, um paroxismo inefável, certamente, mas cuja abordagem não o é, que a palavra “conhecimento” nele permanece cortada de seus poderes de comunicação e que o “diálogo” com o não-esoterista não se estabelece. Mas esses pontos são justamente aqueles pelos quais certas consciências modernas, notadamente as que foram formadas pelo cristianismo tradicionalista, podem melhor iniciar sua compreensão da simultaneidade, e é certo que a coleção “Correspondências” tem interesse, no estágio atual, em recusar mesmo a aparência de ser uma ortodoxia. Assim, para ME limitar ao problema do progresso, ME restringirei aqui a colocar meu próprio problema, que não é o de emitir sobre o “progresso” um julgamento de valor – o que implicaria que é preciso escolher entre o progresso e a Tradição -, mas o de situar os campos respectivos da técnica e da gnose e de mostrar como esses campos respectivamente se integram um no outro, cada um insubstituível e necessário em sua ordem. Para precisar minha posição, acrescentarei que ME parece pouco rigoroso, quanto à condução do pensamento, declarar que a bomba atômica é “aterrorizante” e acusar a sociedade que a produz, enquanto não se tiver posto em questão no fundo de si mesmo a noção subjetiva e ingênua de terror, e mesmo a de sociedade, para relativizar seu sentido. Spinoza já disse que a paz não é a ausência de guerra, mas uma virtude da alma.