Para criar um contexto na linhagem da filosofia perene no qual considerar Hafez como filósofo místico, devemos começar com a ideia de que, em algum momento da aurora do pensamento, o olho de nossa espécie olhou para uma poça de água clara e percebeu que toda imagem projeta um reflexo. Cogitando sobre esse fenômeno, a mente da humanidade formulou, talvez lenta mas seguramente, o princípio da dualidade: o dia e a noite do céu, o nascimento e a morte das criaturas, as preocupações internas e externas da vida e, por fim, os dois lados de cada questão.
Nossas mitologias e filosofias de existência neste planeta Terra giratório têm se preocupado principalmente com a observação e a reconciliação desses dois aspectos mais óbvios de nosso ser. Nossas histórias de criação são abundantes em torno da personificação de pares opostos, como Caim e Abel do Éden, Rômulo e Remo de Roma e os antigos Gêmeos Heróis dos Maias. Essas histórias explicam que somos o resultado misterioso do yin e do yang — ou Ahura e Ahriman, no antigo contexto persa — que se unem e se separam, vez após vez. Como essas forças opostas criam a vida é o mistério que todos nós compartilhamos e perseguimos. O fato de interagirem de forma tão dinâmica e eficiente é evidência de um nível extremo de competência sinérgica.
De todos os filósofos do mundo de que nos lembramos, poucos apresentaram à humanidade um relato tão lúcido ou inspirado de como abraçar esse paradoxo como Hafez. Em essência, ele nos diz para confiar no poder maravilhoso daquela força orientadora da existência à qual todos pertencemos e da qual todos participamos. Ele nos diz para confiarmos no amor. Mas também nos diz, em seu próximo suspiro, que devemos temperar essa confiança com a mais alta aplicação possível da inteligência humana. Para Hafez, essa confiança paradoxalmente moderada é a resposta ao próprio paradoxo. Adverte:
Não busque a fidelidade em nosso mundo instável;
essa bruxa é uma falsa noiva para mil noivos.
E ainda:
Guarde bem sua alma contra as seduções do mundo;
essa bruxa pisca o olho para o engano e desaparece sorrateiramente.
E mais uma vez:
A noiva do mundo é incrivelmente bela;
mas cuidado, ela não busca casamento obrigatório.
Em outras palavras, devemos nos conhecer tão bem que não dependamos do mundo exterior para nosso significado e nossa sobrevivência. Devemos responder a cada desafio com uma combinação espontânea de instinto e pensamento. A vida é repleta de desafios surpreendentes a cada momento, e a última coisa de que precisamos é uma abordagem fundamentalista que limite nossa capacidade de vislumbrar novas possibilidades.