“Os Demônios” (Berdiaeff)

Berdiaeff, L’esprit de Dostoïevski. (1945) [1974] 

A mesma construção centralizadora é característica de “Os Demônios”; Stavroguin é um astro em torno do qual toda a ação gravita. Tudo tende para ele, como para um sol, tudo sai dele e retorna a ele. Chatov, Verhovenski, Kirilov, são tantos fragmentos da personalidade desagregada de Stavroguin, emanações dessa personalidade extraordinária, que se esgota ao se dispersar. O enigma de Stavroguin, o segredo de Stavroguin, tal é o tema de “Os Demônios”. A obsessão revolucionária, da qual o livro está cheio, representa um momento no destino de Stavroguin, simboliza sua atividade interna, seu arbítrio. Segundo Dostoiévski, o fundo mesmo do ser não pode se expressar nas condições estáveis e cotidianas da vida: ele só pode vir à luz em uma corrente de fogo na qual se fundem e se consomem todas as formas permanentes, todos os quadros sociais fixos e ressecados. Dostoiévski nos faz penetrar nesses abismos das contradições humanas, mascarados, nos artistas de outro tipo, pelo véu da vida social. A descoberta dessas profundezas deve levar o homem até a catástrofe, as velhas regras estabelecidas para a harmonia do mundo sendo ultrapassadas. É assim que assistimos em “Os Demônios” à dissociação de uma personalidade humana notável porque usou sua força em suas aspirações sem medida, e que não lhe resta mais nenhuma faculdade de fazer uma escolha ou um sacrifício.

 

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