Raimon Panikkar — A EXPERIÊNCIA DE DEUS
O DISCURSO SOBRE DEUS
Um discurso que conduz necessariamente a um novo silêncio
Um Deus puramente transcendente se tornaria uma hipótese supérflua, e mesmo perversa, independentemente da contradição interna de todo discurso sobre Ele: como falar disto que é puramente transcendente? E esta hipótese obscureceria a imanência divina ao mesmo tempo destruindo a transcendência humana. O mistério divino é inefável e nenhum discurso não o descreve.
Pertence à experiência humana de se saber limitada, não somente como um segmento linear limitado pelo futuro, mas também por sua constituição, por seu próprio fundamento, que lhe é dado. Sem amor e sem conhecimento, sem corporalidade e sem temporalidade, esta experiência não é possível. «Deus» é a palavra, bem audível para uns e o mal audível para os outros, que nos dá, rompendo o silêncio do ser, a ocasião de encontrar de novo. Somos a ex-sistência de uma sistência que nos permite nos desdobrar (no tempo), de nos estender (no espaço), de ser coerentes com todo o universo, no qual nos obstinamos a viver, quando persistimos em nossa demanda e resistimos à vileza da frivolidade, subsistindo precisamente neste mistério que muitos chamam Deus e que outros preferem não nomear. O silêncio é a matriz de toda palavra autêntica. Do silêncio primordial surge o logos, escreve São Irineu. O silêncio é o lugar onde se enlaçam o tempo e a eternidade.