Raimon Panikkar — A EXPERIÊNCIA DE DEUS
O DISCURSO SOBRE DEUS
Um discurso que tem sempre necessidade da mediação de uma crença
Não é possível falar sem a mediação da linguagem, nem utilizar esta sem exprimir uma crença qualquer que seja, embora não falhe jamais em identificar o discurso sobre Deus a uma crença particular. Existe uma «relação de transcendência entre o Deus do qual se fala e o que se diz dEle. As tradições ocidentais a chamaram mysterion, mistério, que não quer dizer nem «enigma» nem «desconhecida». Os Nomes de Deus são sem ligação com Deus e cada denominação do mistério representa um aspecto deste mistério, do qual não se pode dizer que seja um ou múltiplo.
Cada religião é um sistema diferenciado de mediações. Toda linguagem é particular e ligada a uma cultura. Cada linguagem depende de um contexto concreto que lhe dá acesso, ao mesmo tempo que o limita. É aqui necessário se dar conta da inadequação constitutiva de toda expressão. Que cada religião defende suas formulações não é um escândalo, na condição de respeitar os outros e de se dar conta que cada mediação não é senão uma mediação. Isso não impede que não se possa, nem não se deva, discutir da maior ou menor adequação das expressões empregadas, sem esquecer todavia que a interpretação de todo texto requer o conhecimento de seu contexto e a intuição de seu pretexto.
As provas da existência de Deus da escolástica cristã, por exemplo, não fazem senão provar a não-irracionalidade da existência divina àqueles que já creem em Deus. De outro modo, como poderiam reconhecer que a prova «prova» o que eles buscam? É evidente que o que é provado depende do probans — daquele que prova — e que o probans é muito mais forte, mais poderoso, que o que é provado.