Fragmentos dos escritos do espólio de Fernando Pessoa, organizado por Pedro T. Mota, sobre o tema «ROSEA CRUZ».
A intuição não é senão a socialização da ciência do oculto. Ao oculto pode-se achar 3 formas: o passado, o futuro e o oculto verdadeiramente, o íntimo, a outra face das coisas. Oculto significa o que não é presente, o que não é atual — isto pode ser o que já passou, o que virá a ser e também o que é mas não conhecemos.
— Pode também fazer-se uma outra divisão: em estas três espécies — o não presente ou inatual (incluindo o passado e o futuro), o invisível (isto é, aquilo que é presente e está fora da nossa vista ou meio de conhecimento, mas que é cognoscível por meios usuais e científicos: — como o que se está passando na casa ao lado, o que se está fazendo na China, para nós, o que há no polo sul) e, finalmente, o oculto propriamente dito.
Assim a doutrina científica da hereditariedade só hoje tem lugar no desenvolvimento da ciência, mas os gregos a contém especialmente os dramaturgos. Intuição, porque é ciência fora do devido lugar no tempo.
Shakespeare — a muitos admira — construiu no «Rei Lear», como em outros casos, um tipo esplendido e cientificamente exato de loucura social. Como? Por intuição. Intuicionou elementos científicos que só hoje têm lugar na ciência e com eles construiu aquele tipo.
A intuição é inconsciente da natureza do intuído. Assim, por bela que seja a minha intuição do passado eu nunca o revivo. Falta-me o elemento vital à intuição.
Vemos que a intuição, como o mediunismo, são fenômenos do ocultismo inconsciente, de iluminismo inconsciente. A intuição pode ser assocializável, como na loucura, e socializável no gênio. Isto é, o homem de gênio concebe o que intuiciona de forma que equilibre o elemento oculto com o elemento social — e assim toma o que diz útil e agradável à sociedade. O louco — Ah, que os seres não entendem o louco! — O louco, seja ele de que espécie for, intuiciona mais fundamente em realidade do que o homem de gênio, o que faz com que a sua intuição se individualiza em extremo (a gnose é individual, já lho disse) e assim não pode socializar o que intuiciona. E também o seu corpo o seu quimismo individual de tal modo se alterará que produzirá o resultado (…) à face social se chama loucura, e que dá uma incompatibilidade de vida com os outros.
Repare, e repare bem, que eu não digo que o louco é um iluminado. O louco repito-lhe é um semi-iluminado; não tem a Ciência, mas uma forte intuição de oculto. Levanta os pés da terra em curto voo, mas não chega ao …onde quer chegar. Compreende-me não é verdade?
Do ponto de equilíbrio entre a intuição da gnose e a vida social, é aquele em que essa intuição é incompleta e em que…
Isto é, o indivíduo nem deixa de ser social, nem de ser intuitivo, fá o doido está mais consciente na intuição gnóstica. — Os maiores gênios Platão, Shakespeare, são os que estão entre a gnose e a vida social, a alma e o acatamento. Já os Paracelsus, (…) viu (…)
O espírito não cria concebe. Propriamente o que concebemos, não o concebemos; é concebido em nós pelo Criador. (o Mundo é um visto conceito…). Assim a alucinação como se explica? Como posso eu ver o que ali não está? Eu não o posso criar. É então criado em mim? Mas assim é o mundo. Mas é impalpável. É que não-universal. E veja só eu (leitura incerta). Naturalmente, sendo não universal, é não-social também. É individual puramente. E a gnose é individual, já sabemos (V. já lho disse). O que vemos, por alucinação, está ali, pelo menos está ali tanto com as coisas reais ali estão.
Para o milagre, dizem, é preciso crença. Claro que é. Quem analisa destrói. Vejo como se erra. O milagre, entende muita gente, que cede à investigação porque era só real. Há outra hipótese, de que eles não se lembram, porque é aquilo que não foi feito para eles se lembrarem dela: é que o milagre sucumbe à investigação — porque não foi feito, providenciado para ser investigado. É oculto, individual portanto. Analisá-lo é tentar submetê-lo à verdade social ou universal, à qual ele, por natureza sua, não pertence.
27 19 M3-13 — Philosopho Hermetico
Repare que há para tudo métodos ocultos.
Pode ser que a Ciência moderna consiga um meio de permutar metais em ouro. Não discuto se o poderá fazer ou não. É que não é hora de se poder fazer socialmente isso. — Mas na idade média, para o fazer, era, claro está, preciso outro método, porque a hora social não estava chegado, o método oculto. Dir-lhe-ei que é inteiramente diferente. Assim o trabalho que um guindaste faz, por meios ocultos de o fazer, empregados antes dos guindastes existirem, pois que não emprega guindastes em cousa que se lhes assemelhe ou deixe de se assemelhar.
As coisas são providenciais de modo que quem tem a ciência real não pode por qualquer razão poder ou mesmo querer transmiti-la.
Tertuliano — (…) frase citada por H. Jennings.
E se me perguntar como se transmite então, sendo individual, a ciência verdadeira, dir-lhe-ei que o individual transmite-se achando a expressão individual, isto é, oculta das coisas. E se me perguntar o que quer isto dizer eu não lhe responderei.
É preciso não confundir o «método» intuitivo com o oculto. O intuitivo substitui a observação, o oculto substitui a ciência; o
1.° corresponde ao mero observar e ver, o 2.° ao dirigir e saber sociais o 1.° (…), ocultamente o 2.°