QUATRO NO HOMEM
Julius Evola
TRADIÇÃO HERMÉTICA
a) Na homem há, acima de tudo, um ser terrestre, chamado também de Saturno. Nele actua a força da «Terra» que determina e rege a modalidade grave («o nosso Chumbo» — molybos hemeteros — , no sentido particular), dura e tangível do corpo animal, manifestando-se principalmente por meio do elemento cálcio (ossos), e também por meio de tecidos córneos, cartilagíneos, tendinosos, etc. Sub specie interioritatis, este ser é considerado como uma força ansiosa (a aridez e a sequidão voraz da «terra seca», na linguagem alquímica) e devoradora, raiz de toda a sede e todo o desejo. O elemento titânico-telúrico, de que se fala no orfismo, refere-se a este ente que, por outro lado, é o princípio primordial da individuação. E o fixo por excelência. E se, como matriz dos corpos singulares, é eterno, também simultaneamente, em relação à caducidade destes últimos, se apresenta como uma força que, depois de os gerar, os devora: é a explicação hermética do duplo aspeto de Saturno rei da «Idade do Ouro» (mais adiante veremos que isto tem relação, entre outras coisas, com o estado primordial, espiritual, e da corporeidade) e devorador dos seus próprios filhos.
b) Em segundo lugar um ente aquático («fluídico»), também chamado lunar, de Mercúrio, ou Mercúrio no sentido restrito ~9791~ e Lua. Temos que nos referir aqui à noção geral de «duplo»: o ka egípcio, o «sopro dos ossos» e o ob do esoterismo hebreu, a lasa etrusca, a «forma subtil» (sukshmaçarira) e o prana hindu, etc. É a «vida» do ente corporal saturnino, em virtude da qual se considera que ele é portador das energias das raças, da herança dos «avós primordiais» (relação do «duplo» como o totem dos primitivos).
O que para o primeiro ente é o esqueleto, para este segundo é o branco, sistema nervoso e glandular, através do qual exerce uma influência plasmadora. No que respeita à consciência, representa o umbral através do qual o exterior penetra no interior. Mercúrio é a sede da sensibilidade, o aparelho no qual se iluminam os fantasmas das coisas (e daí a sua relação com a potência da imaginação), quer se produzam através do primeiro ente (percepção física normal), quer se produzam diretamente (percepção psíquica paranormal).
c) Temos depois o Mercúrio unido ao Fogo, um ente «fluídico» mais subtil, mais incorpóreo, mais especializado, por uma íntima compenetração com o princípio «Alma», como explicamos já ao falar de seu signo. Por outro lado, tal como o fogo em contacto com a água dá lugar ao estado gasoso ou aéreo, assim também neste ente, que os Antigos com frequência designaram como corpo ou forma ígnea, há que reconhecer a correspondência com o elemento Ar, entendido como um bloqueio da potência pura do Fogo Δ. E representado pelo vermelho sangue, fornece o calor vital ou animal e todo o poder do movimento, da mesma maneira que o anterior ~9791~ é o princípio da «luz etérea» difundido na sensibilidade e vitalizador dos brancos nervos.
d) Finalmente temos um ente intelectual, que é o Sol e o ouro no homem. É o centro ~9737~, o princípio de uma estabilidade espiritual, radiante e não inerte, origem primária de tudo aquilo que através dos dois signos de Mercúrio, chega até à união telúrica, a provoca e a torna viva num sentido superior. Em si mesmo supra-individual, dá lugar à individualidade, à função-Eu. É o nous segundo a concepção mistérica helênica; é a primeira potência do Fogo (o «Fogo da Pedra» dos textos alquímicos árabes); é a «alma estável e que não cai» de Agripa. O que no Corpus Hermeticum se denomina «essência incorpórea, não movida, nem em algo, nem para algo, nem por algo, visto tratar-se de uma força primária, e visto que o que precede não tem necessidade do que se segue», «essência que possui em si mesma o seu próprio fim» identifica-se com este mesmo princípio.
Estes são os Quatro no homem, e são eles os aspetos sob os quais pode ter lugar o conhecimento dos Elementos herméticos. São formas distintas, mas ao mesmo tempo presentes e em ato no homem, a primeira de maneira espacial e as outras três de maneira não espacial, como diversos estados do corpo (em sentido comum) e da matéria física. O homem normal não tem deles um conhecimento distinto; nele os elementos estão confundidos numa sensação geral (a chamada sinestesia) que se manifesta em forma de fantasmas sensíveis e de imagens reflexas, só muito raramente em atos do princípio ígneo e da visão concêntrica (ciclópica) solar. É o estado impuro dos «mistos», a obscuridade da «tumba de Osíris» (Osíris = ~9737~), segundo as expressões dos textos: a indistinção do «nosso caos filosófico», do qual, quem se entrega à Arte hermética, deve extrair espagiricamente as naturezas individuais. Só depois disto emergem, como despertares e reintegrações, as quatro possibilidades de contacto metafísico com os Elementos. Recordemos, apenas, que os sistemas orgânicos (ósseo, nervoso e sanguíneo), relacionados com os diversos entes, não são estes entes, mas sim manifestações, aparições suas (destes últimos) no seio do ente terrestre saturnal. Em termos alquímicos este último é o «espesso»; o conjunto dos outros é o «subtil» ou «volátil» (no sentido lato): Terra e Céu.