Ratié (IRSA:38-45) – Autoluminosidade e autoconsciência da cognição

De acordo com os budistas com os quais Utpaladeva está prestes a entrar em diálogo, a consciência é, portanto, composta de uma série de eventos conscientes instantâneos e descontínuos que consistem todos em uma forma de manifestação.

No entanto, as cognições, segundo eles, não apenas manifestam objetos. Pois conhecer é também saber que se sabe, e as cognições, dando a conhecer um objeto, devem ser conhecidas de alguma forma, sem o que a consciência não seria senão uma cadeia de apresentações inconscientes. Mas como sabemos que sabemos? Qual é a fonte dessa reflexividade da consciência? Os filósofos indianos estão longe de responder unanimemente a esta pergunta.

Entre os filósofos bramânicos, de fato, os naiyayika, por exemplo, explicam essa reflexividade ao afirmar que a cognição de um objeto, que é um meio de conhecimento (pramana) desse objeto, pode, por sua vez, tornar-se objeto de conhecimento (prameya) para uma cognição posterior que o apreende: se tenho consciência de perceber esse pote diante de mim, é porque, depois de ter percebido o pote, viso a título de objeto de consciência não mais o pote ele mesmo, mas a percepção do pote que acabou de ter lugar.

De acordo com os filósofos do Nyaya, de fato, um instrumento não pode, por definição, se aplicar a si mesmo, mas apenas a uma realidade que lhe é exterior: um machado não poderia se cortar a si próprio, nem uma mão se apreender a si própria. A cognição, que é um instrumento de conhecimento, não pode, portanto, apreender a si mesma; assim, Vatsyayana enfatiza que afirmar que qualquer cognição pode se tornar um objeto de cognição certamente não é dizer que a cognição se conheceria ela mesma por ela mesma, mas apenas que qualquer cognição pode ser apreendida por outra cognição. Como qualquer instrumento, ela não pode apreender um objeto enquanto estiver engajada em apreender outro; mas assim como um machado pode cortar outro machado, e uma mão pode agarrar outra mão, uma cognição deve ser capaz de apreender outra cognição que já ocorreu. A consciência reflexiva pela qual tenho consciência de ser consciente deve, portanto, consistir na sucessão de duas cognições, a segunda tomando a primeira como seu objeto.

Os naiyayika concluem, assim, do fato de que um instrumento não pode ser aplicado a si mesmo que uma cognição pode certamente ser percebida, mas que não pode haver simultaneidade de uma cognição e da consciência dessa cognição, na medida em que essa reflexividade supõe duas cognições diferentes (a cognição e a cognição da cognição) ocorrendo em momentos diferentes.

Os mimamsaka que reivindicam a tradição de Kumarila Bhatta tiram uma conclusão diferente da mesma premissa: porque um instrumento não pode ser aplicado a si mesmo, toda cognição é por natureza imperceptível, e só pode ser suposta a posteriori e indiretamente. De fato, posto que uma cognição, ocupada em fazer conhecer seu objeto, é incapaz de se fazer conhecer ela mesma no momento em que ocorre, é uma cognição posterior que deve manifestá-la; mas como poderia esta última manifestar a cognição passada dessa maneira, quando essa cognição passou — em outras palavras, desapareceu? Nossas percepções manifestam objetos que existem atualmente, mas é impossível para nós percebermos nossas próprias percepções, porque é impossível que duas cognições coexistam ao mesmo tempo. A teoria do bhatta mimamsaka implica assim esta estranha consequência de que nunca experimentamos a consciência, porque no momento de conhecer um objeto, a consciência é inteiramente absorvida na manifestação deste objeto; só inferimos a posteriori que tivemos tal cognição em relação a tal objeto, porque observamos que tal objeto nos é conhecido. Apesar dessa importante divergência, os naiyayika como o bhatta mimamsaka têm em comum considerar que uma cognição só pode ser conhecida por uma cognição posterior, seja ela perceptiva ou inferencial.

Os lógicos budistas que afirmam seguir a tradição de Dignaga, no entanto, recusam tal explicação, porque envolve o perigo de uma regressão infinita: se uma cognição deve, para ser consciente, tornar-se objeto de outra cognição, essa outra cognição por sua vez, deve ser apreendida por outra cognição, caso contrário permanece inconsciente, etc. – por conta disto, nunca estaríamos conscientes de estarmos conscientes.

Consideram, portanto, que a cognição, contrariamente ao seu objeto, não requer um instrumento de conhecimento (pramana) que lhe seja distinto para ser conhecido, pois compreende necessariamente dois “aspectos” (akara) ou duas “manifestações” (abhasa ) – ou seja, duas maneiras de ser manifesto, duas aparências –: uma manifestação objetal (vishayabhasa) e uma automanifestação (svabhasa). E esta dupla aparência, todo conhecimento se manifesta por si mesmo: é svaprakasha, auto-luminoso, e é precisamente porque a cognição se manifesta ela mesma que ela é capaz de manifestar o objeto ou dele constitui um meio de conhecimento, assim como a luz revela os objetos porque os manifesta manifestando-se. De acordo com os lógicos budistas, toda cognição é, portanto, indissociável e simultaneamente consciência de objeto e consciência de si (svasamvitti, svasamvedana, atmasamvedana).

Essa consciência de si inerente a toda cognição é conhecimento imediato e inconfundível – e é por isso que é apresentada pelos lógicos budistas como uma forma de percepção imediata (pratyaksha). Os lógicos budistas enfatizam, no entanto, que afirmar assim que a autoconsciência consiste em uma percepção não equivale a dizer que a cognição seria apreendida por outra cognição de tipo perceptual: toda cognição é inseparavelmente consciência imediata de si, tanto que mesmo a cognição conceitual, que não é “percepção imediata” (pratyaksha) do ponto de vista do objeto que manifesta, no entanto o é enquanto consciência imediata de ser cognição. Parecem, assim, querer insistir no fato de que, se a cognição não precisa ser tomada como objeto por outra cognição para ser conhecida, ela nem mesmo precisa tomar ela mesma por objeto para ter consciência dela mesma. Pois a consciência de ser consciência não é uma cognição de objeto, mas ao invés a consciência que acompanha toda cognição de objeto: a consciência, portanto, aí não se visa objetivamente, “posando” diante dela mesma como uma entidade diferente dela, mas aí se sabe ser um modo perfeitamente imediato ou “não-posicional”, para usar o vocabulário da fenomenologia ocidental.