Ratié (IRSA:I.1.5) – percepção e concepção

O budista encenado por Utpaladeva começou seu discurso relembrando uma distinção, fundamental na epistemologia dharmakīrtiana, entre dois tipos de cognição: percepção imediata (pratyakṣa) ou mera manifestação (prakāśa) e conceito (vikalpa).

A percepção imediata é o primeiro momento de toda cognição — é uma sensação crua, a apresentação de uma entidade absolutamente singular (svalakṣaṇa) e, portanto, impossível de ser formulada, uma vez que a linguagem (abhilāpa) pressupõe o recurso a uma forma de generalidade (sāmānya) e, portanto, à faculdade de construção conceitual (kalpanā) estranha à percepção direta.

Esse primeiro tipo de cognição é oposto pelo conceito (vikalpa), cujo objeto é sempre uma “generalidade” (sāmānya). Os lógicos budistas de fato classificam sob essa categoria um grande número de cognições que tendemos a considerar como percepções. Quando, por exemplo, estou ciente de perceber um pote à minha frente, já estou, na realidade, conceituando a primeira percepção bruta, a sensação indescritível de uma presença singular, porque “o pote” já é um conceito sob o qual podemos classificar um número muito grande de entidades que, embora diferentes umas das outras, têm características comuns suficientes (samāna) para serem todas identificadas como “potes”. Mas essa identidade não é inerente ao objeto percebido, porque esse objeto, no primeiro momento da percepção, apenas se apresenta em sua forma absolutamente singular. Portanto, diferentemente da sensação puramente passiva, o conceito pressupõe uma atividade de construção mental por meio da qual, excluindo de um conjunto de objetos singulares todas as maneiras pelas quais eles diferem uns dos outros, nós os reduzimos a uma generalidade que nunca percebemos (a pote, por exemplo).

O objeto do vikalpa é, portanto, construído — ou seja, artificial, factício: é meramente o resultado de uma atividade de abstração que elabora generalidades. Na medida em que a mera “manifestação” (prakāśa) apenas permite que uma entidade singular apareça de forma perfeitamente imediata, ela nos diz algo sobre a realidade — embora não possamos dizer nada sobre ela em troca, uma vez que essa realidade singular é, por definição, inexprimível e inutilizável: nenhuma ação é possível em relação a uma entidade perfeitamente singular e instantânea. Por outro lado, o conceito, embora útil na existência mundana e, nessa medida, possa ser considerado válido, não nos dá acesso algum ao real: é uma construção intelectual, uma ferramenta artificial desenvolvida para fins puramente práticos.

Isabelle Ratié