Riffard – hermetismo

De “Hermes”, deus grego (Thot no Egito, Mercúrio em Roma).

1. O hermetismo é, em sentido estrito, a doutrina de Hermes, quer dizer o conjunto dos textos e das obras que se apresentam como revelação de Hermes Trismegisto (Hermes “três vezes muito grande”), deus inventor de todas as artes e de todas as ciências mas sobretudo criador da escrita, criador pelo palavra. O hermetismo não tem nem clero, nem culto, nem sacramento.

a) O hermetismo propriamente dito é o hermetismo egípcio, ou helenístico, ou grego-egípcio, escrito em grego pelos sacerdotes egípcios ou gregos, no Egito. O hermetismo egípcio se divide em duas correntes: popular e sábio. O popular (séc. III AC até III DC) consiste de textos astrológicos, mágicos, alquímicos, medicais, notavelmente estudados por A.J. Festugière (A Revelácão de Hermes Trismegisto). Os grande nomes são: Bolos de Mendes (200 AC) e Zózimo de Panopolis (final do séc. III). O hermetismo sábio (séc. I-III DC) se compõe do Corpus Hermeticum, do Asclépio latino e dos extratos herméticos de Estobeu; o conjunto foi editado e traduzido por A.J. Festugière (Corpus Hermeticum); o hermetismo sábio ele mesmo se divide em duas escolas, otimista e monista (tratados V, VIII, IX) que crê o mundo belo e bom e recomenda sua contemplação para alcançar Deus, o outro pessimista e dualista (tratados I, IV, VI, VII, XIII) que estima que o mundo é mau, que foi criado por um demiurgo e não por Deus, que se deve portanto se desapegar da matéria para ascender ao Uno. Os hermaítas são os iniciados. O hermetismo egípcio se encontra na origem de outras formas de hermetismo.

b) O hermetismo árabe foi desenvolvido pelos sabeanos de Harran (Ibn Qurrah, + 901), os xiitas, os sufis, os filósofos (Suhrawardi de Alepo + 1191), os praticantes das ciências ocultas (Jabir ibn Hayyan + 776). Os pensadores têm Hermes por um grande revelador das doutrinas esotéricas, concebendo Deus como inefável, afirmando a unidade do universo graças a uma teoria das correspondências. Os árabes identificam frequentemente Hermes a Idris.

c) O hermetismo europeu se identifica à filosofia da alquimia: doutrina de Hermes, teoria dos minerais, vegetais, planetas, arte das operações alquímicas, especulações sobre a Pedra Filosofal e a natureza.

2. O hermetismo, em sentido amplo, designa todo ensinamento que, sem mesmo revindicar a obediência de Hermes ou remeter em primeiro lugar à alquimia, sustenta algumas de suas ideias (fatalidade astral, correspondências cósmicas, inefabilidade divina, iniciação espiritual…). Neste sentido, remetem-se ao hermetismo: Hildegarde de Bingen, Arnauld de Villeneuve, Marsílio Ficino, Reuchlin, Paracelso, Weigel, Fuldd, Kirchberger, Eckharshausen, etc. Mais precisamente, o hermetismo é uma ciência oculta, a cosmologia, o sistema de pensamento concernente à natureza, elementos, qualidades, virtudes,…

3. O hermetismo é também uma escola de hermenêutica, aquela que vê nos poemas da Antiguidade, nos diversos mitos, nas obras de arte enigmáticas dos tratados alegóricos de alquimia, de espagíria ou de hermetismo. Citemos: Burgravius (1612), Michel Maier, A.J. Pernety (1786), Fulcanelli, Canseliet. «”Semeia-se um corpo material e ressucita-se com um corpo espiritual”. Trasnposto alquimicamente, isto significa que a matéria prima misturada de terrestridades , se sublima e forma um corpo “fluido” nos vapores que se elevam» (Kamala-Jnana, Dicionário de Filosofia Alquímica, 1961).

4. Enfim, “hermetismo” designa o caráter esotérico de um texto, de uma obra, de uma palavra, de uma ação, neste sentido que há um significado oculto exigindo uma hermenêutica. (Riffard)


Ora, o hermetismo, a tradição hermética viva, guarda a alma comum da verdadeira cultura. Insisto em acrescentar: os hermetistas ouvem — e, às vezes, compreendem — o bater do coração da vida espiritual da humanidade. Eles só podem viver como guardiães da vida e da alma comum da religião, da ciência e da arte. Não têm nenhum privilégio em nenhum desses domínios; os santos, os verdadeiros sábios e os artistas de gênio são superiores a eles. Mas eles vivem para o mistério do coração comum que bate no fundo de todas as religiões, de todas as filosofias, de todas as artes e de todas as ciências passadas, presentes e futuras. E, inspirando-se no exemplo de João, o discípulo amado, não pretendem e jamais pretenderão exercer papel de direção na religião, na ciência, ia arte, na vida social ou na política; mas velam constantemente para ião perderem nenhuma ocasião de servir a religião, a filosofia, a ciência, a arte e a vida social e política da humanidade e para que lhes seja infundido o sopro da vida de sua alma comum — em analogia com a administração do Sacramento da Santa Comunhão. O hermetismo é — : é somente — um estimulante, um “fermento” ou uma “enzima” no organismo da vida espiritual da humanidade. Nesse sentido, ele é em si mesmo um Arcano, isto é, o antecedente do Mistério do segundo nascimento ou da Grande Iniciação. (Valentin Tomberg)

Hermetismo – Ciências Tradicionais, Pierre Riffard