A alquimia interior, ou Neidan, é uma técnica de iluminação cujos primeiros registros escritos existentes datam do século VIII. Ela apela tanto para a racionalidade, que dá ordem ao mundo, quanto para o que transcende a racionalidade: o indizível, a Totalidade. Suas principais ferramentas são os trigramas do Yijing (Livro das Mutações) e várias metáforas importantes, algumas das quais são de natureza alquímica, daí o nome “alquimia interior”.
A alquimia começa com uma estrutura binária composta por dois termos complementares e antagônicos: Yin puro e Yang puro. Entretanto, sua estrutura binária admite complexidade com dois outros termos mistos, nascidos da união dos dois primeiros: Yin contendo Yang e Yang contendo Yin. Um termo neutro, o Centro, está além da conjunção e da disjunção dos outros dois.
O princípio consiste em ordenar o mundo por meio de pontos de referência múltiplos e complexos construídos com base nesses dados iniciais e em uma estrutura de várias camadas. Aqui reside a racionalidade da alquimia, no sentido de proporcionar ordem e inteligibilidade. Entretanto, por ser uma técnica didática orientada para o misticismo, a alquimia também envolve a negação de seu próprio sistema. Essa negação é alcançada por vários meios: o lembrete de que o silêncio é o fundamento da palavra; a evocação contínua da Unidade, que funde e abole todos os pontos de referência; a adoção de uma linguagem fundamentalmente metafórica que deve ser superada; as interrupções recorrentes na continuidade do discurso; o uso de imagens que atuam em vários níveis, operando ora em uma direção, ora na oposta, níveis que se relacionam entre si até serem unificados; a elipse que trata duas entidades diferentes como equivalentes; o invólucro recíproco de todas as imagens, de modo que “a criança gera sua mãe” e o contido é o recipiente; a multiplicidade de facetas, tempos e pontos de referência sobrepostos uns aos outros, o que neutraliza a fragmentação provocada pela análise racional.
Os alquimistas, portanto, usam uma linguagem altamente estruturada, mas a transgridem ao introduzir uma negação de seu próprio sistema e ao expressar, por meio de um sistema de invólucro recíproco, uma dualidade absorvida pela Unidade, uma racionalidade atravessada pela irracionalidade. A linguagem da alquimia é uma linguagem que tenta dizer o contraditório.
Uma faceta desse sistema é o tema do “mundo de cabeça para baixo”.
Veja o portão da morte como o portão da vida,
Não considere o portão da vida como o portão da morte.
Aquele que conhece o mecanismo da morte e vê a reversão
Começa a entender que o bem nasce dentro do mal.
O Sol no Oeste, a Lua no Leste. O céu é a terra, a terra é o céu. Isso simboliza o crescimento e a união do Yin e do Yang, a reversão [do curso] dos cinco agentes.
A “reversão” (diandao ) é um dos princípios básicos da alquimia interior. Esse princípio assume muitas formas e é aplicado de diferentes maneiras. Para obter o Elixir Dourado — o equivalente à Pedra Filosofal — é preciso passar por várias reversões. De acordo com uma frase frequentemente citada nos textos, “Aqueles que vão no sentido comum dão origem a seres humanos; aqueles que vão para trás encontram a imortalidade”.
Li Daochun (fl. ca. 1290) explica que há duas direções. Uma delas segue o curso normal e vai em direção ao fim: é a “operação” (yong ), a atuação. A outra volta para trás e consiste em retornar à Origem: é a “substância” ou o “corpo” (ti ) de todas as coisas.
Se você conhece a origem e ignora o fim, não pode se expandir; se conhece o fim e ignora a origem, não pode alcançar o fundamento da sutileza. Aqueles que voltam à Origem estão vaga e indistintamente unidos ao Supremo; aqueles que vão até o fim nascem, transformam-se e morrem infinitamente. Retroceder e avançar são necessários um para o outro, porque a origem e o fim não são dois.
Entretanto, as pessoas comuns que “seguem o curso” geram outros seres. Os buscadores da imortalidade, que retrocedem, geram um embrião de imortalidade dentro de si mesmos: eles se autorregeneram.