(Bornheim1956)
I — Um dos maiores problemas que nos propõe o romantismo é o de sua delimitação. Por um lado, a interpretação do romantismo é reduzida, frequentemente, a limites cronológicos estreitos, tendendo a esgotar-se em manifestações mera e simplesmente literárias; o problema sofre, assim, uma simplificação injustificável. Por outro lado, em um extremo oposto, há autores que pretendem encontrar, senão movimentos, ao menos traços ou tendências românticas através de toda a história da civilização; o dualismo romântico-clássico, segundo estes autores, constituiría a polaridade básica de motivos, que permitiría explicar, em obediência a seu antagonismo exclusivista, todo o desenvolvimento da cultura.
No primeiro caso, a interpretação, estritamente confinada a uma perspectiva literária, justifica-se, em parte, pela própria natureza de certos movimentos românticos. Esta limitação, contudo, não pode ser estendida a todos os romantismos: não pode ser universalizada na medida exata em que os movimentos românticos transcendem os limites do literário. Precisamente o mais rico de todos os romantismos, o alemão, seria nuclearmente ignorado, se submetido a considerações reduzidas a seu aspecto literário, por mais importante que tenha sido. Neste erro face ao romantismo alemão incidiram, aliás, os românticos franceses, ao menos até Baudelaire e a despeito das revelações — escassas — do L’Allemagne de Mme de Stael, a ponto de substituírem o autêntico romantismo germânico pelo pré-romantismo que foi o Sturm und Drang.
O segundo tipo de interpretação é incomparavelmente mais rico e fecundo, inclusive e sobretudo para a compreensão da literatura romântica. Considera o clássico e o romântico como duas categorias básicas, elucidativas do desdobramento da cultura. O romântico seria sempre uma fase de rebelião, de inconformismo aos valores estabelecidos e a consequente busca de uma nova escala de valores, através do entusiasmo pelo irracional ou pelo inconsciente, pelo popular ou pelo histórico, ou ainda pela coincidência de diversos destes aspectos. Compreendido como busca de novos valores, todo romantismo tendería a tornar-se um classicismo, desde o momento em que estes novos valores atingissem o seu máximo desenvolvimento, quer dizer, se estruturassem, se fixassem, se impusessem como uma ordem perfeitamente definida, estática, terminando, por isto mesmo, a dar margem a uma nova vazão da dinamicidade romântica, e assim sucessivamente. Teríamos, portanto, uma espécie de esquema histórico.
A deficiência desta interpretação reside na deficiência de todo e qualquer esquematismo histórico, ou seja, na impossibilidade de reduzir a história a uma dialética que implique em pontos fixos de referência, por mais dinâmica seja a consideração da cultura. Porque a história não obedece a esta espécie de leis, e quando estas são obedecidas em uma determinada interpretação, segue-se uma deformação dos fatos. O jogo romântico-clássico, se nos devemos prender a este dualismo, explica menos do que possa parecer à primeira vista a cultura francesa, por exemplo, mais radicalmente compreensível a partir da mentalidade clássica. Na Alemanha vale precisamente o contrário, pois há uma veia romântica presente cm toda a cultura alemã, a ponto de se poder duvidar da simples existência de um classicismo neste país.
No mais, esta interpretação tende a ver romantismo em todas as esquinas da história, e, em última análise, os elementos românticos seriam responsáveis por toda a evolução da cultura. Assim, por exemplo, na índia, Buda teria sido um romântico contra o classicismo brahmânico; o sentido do movimento presente no pensamento de Heráclito, deveria contrapor-se, romanticamente, à estaticidade metafísica do clássico Parmênides; os trovadores medievais teriam constituído um movimento romântico ao lado do monumento clássico da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Sem dúvida, seria inócuo pretender negar a enorme riqueza de sugestões que oferece esta maneira de considerar a cultura. Mas, aceitar esta riqueza de sugestões e subordinar a pesquisa histórica a este ponto de vista, são coisas distintas. Porque, de fato, neste caso, o que pode entender-se por romântico? Em verdade, não faríamos mais do que emprestar a palavra romântico a movimentos por vezes radicalmente distintos. Não encontraríamos nenhum conteúdo comum a todos estes pretensos romantismos, e quando coincidentes em dois ou mais movimentos — a presença, por exemplo, de uma atitude de rebelião — facilmente dar-se-ia vasa ao perigo de ignorar ou desconsiderar o sentido próprio deste conteúdo em um determinado movimento. Dito com outras palavras, o romantismo seria meramente um flatus vocis, vazio de significado, e que se, adaptaria, com gratuidade menor ou maior, a uma certa circunstância histórica. Seria sinônimo do nome que usualmente se empresta a uma determinada etapa de uma cultura, mas um sinônimo sui-generis, apto até mesmo, por vezes, a desviar a visão de uma perspectiva correta.
Esta tendência a considerar o romantismo dentro de uma generalização máxima tende a ser caracterizada, então, em uma dimensão psicológica ou antropológica. A atitude romântica confundir-se-ia, por exemplo, com a psicologia do adolescente, ao contrário da clássica, realizada pelo homem maduro. A psicologia feminina ofereceria outro paralelo com a mentalidade romântica. Teríamos, assim, a compreensão do problema, mas uma compreensão que, mais uma vez, contrariando a riqueza da análise apresentada, levaria a ignorar os aspectos propriamente culturais, históricos e filosóficos do romantismo, desviando-o de seu horizonte específico. Mais do que um estudo do romantismo far-se-ia psicologia ou antropologia. As conclusões viríam afirmar certas características fundamentais do homem, válidas em quaisquer circunstâncias históricas. Ora, o romantismo é, fundamentalmente, um movimento cultural, inserido em um determinado momento da história, e somente a partir desta situação pode ele ser compreendido. Toda análise psicológica ou antropológica só pode adquirir um sentido concreto e fornecer uma compreensão real, se incarnada nos valores específicos de cada romantismo, valores que transcendem e não podem ser reduzidos ao psicológico.