Rudyard Kipling: SE

Um poema como “Se”, de Kipling, que se fundamenta, estrofe por estrofe, em uma série de condições à serem atendidas para se ser “Homem”, em que soa um forte voluntarismo que perpassa tal apoteose, não deveria mais comover ninguém pelas razões que se seguem.

Primeiro, “ser” é o que há de mais incondicional e impessoal, enquanto acontecimento fundador do condicional e do pessoal. “Ser” assim ou assado de modo algum é fruto da vontade de fulano ou de beltrano, como se deduz de cada estrofe em que se personaliza com um pronome pessoal a cada determinado “se” condicional, ato ou atitude ou fazimento; resumindo, ao mesmo tempo aí-se-é e aí-não-se-é, possibilidades “aí” se atualizam enquanto outras não, onde este “aí” não se determina por uma vontade pessoal de um sujeito, mas por “ser” ou “não-ser” o “aí” que se é ou não se é.

Segundo, a “quem” se refere este “tu” em cada estrofe que deve preencher condições virtuosas supremas para “ser” reconhecido como “homem”? Pelas injunções, a um “eu separado” de tudo e de todos que por “sua” atitude, ato ou fazimento exercita virtudes que o consagrarão como “Homem”.

Terceiro, e mais lastimável, o poema conclui almejando para este “quem”, este “eu separado” de tudo e de todos, por conta de todo “seu” esforço hercúleo e controle absoluto de todas as situações de aí-ser, a posse da “terra com tudo o que existe no mundo”, o que definitivamente não parece uma conquista digna do “Homem” e abre um imenso abismo entre o demasiado humano e o “ser” humano.

Quarto, embora de menor importância a tradução em português apresentada deixa muito a desejar, o que se pode conferir pelo original em inglês que a acompanha.

Rudyard Kipling