O que somos obrigados a chamar, por falta de um termo melhor, de exoterismo cristão, não é estritamente análogo, em origem e estrutura, ao exoterismo judeu e muçulmano; enquanto esses últimos foram instituídos como tal desde o início, no sentido de que fazem parte da Revelação e são claramente distinguidos do elemento esotérico, o que mais tarde se tornou o exoterismo cristão dificilmente aparece como tal na própria Revelação de Cristo, ou pelo menos aparece apenas incidentalmente. É verdade que os textos mais antigos, especialmente as Epístolas de São Paulo, sugerem um modo exotérico ou dogmático; esse é o caso, por exemplo, quando a principal relação hierárquica entre esoterismo e exoterismo é representada como uma espécie de relação histórica entre a Nova Aliança e a Antiga Aliança, sendo a última identificada com a “letra que mata” e a primeira com o “espírito que dá vida”, sem levar em conta, nesse modo de falar, a realidade integral inerente à Antiga Aliança, ou seja, precisamente o que é principalmente equivalente à Nova Aliança, e da qual a Nova Aliança é apenas uma nova forma ou adaptação. Esse exemplo mostra como o ponto de vista dogmático ou teológico, em vez de abraçar uma verdade em sua totalidade, escolhe, por razões de conveniência, um único aspecto e lhe confere um caráter exclusivo e absoluto; sem esse caráter dogmático, nunca se deve esquecer, a verdade religiosa permaneceria ineficaz em relação ao objetivo particular que seu ponto de vista propõe em virtude das mesmas razões de conveniência. Há, portanto, uma dupla restrição à verdade pura: por um lado, um aspecto da verdade recebe o caráter de verdade integral e, por outro, o relativo recebe um caráter absoluto; além disso, esse ponto de vista de conveniência implica a negação de tudo o que, não sendo acessível nem indispensável a todos sem distinção, excede a razão de ser da perspectiva teológica e deve ser deixado de fora dela, daí as simplificações e sínteses simbólicas próprias de todo exoterismo; por fim, uma característica particularmente marcante dessas doutrinas é a assimilação de fatos históricos a verdades principais e a inevitável confusão resultante: por exemplo, quando se diz que todas as almas humanas, desde Adão até os contemporâneos mortos de Cristo, tiveram de esperar que Cristo descesse ao inferno e as libertasse dele, o Cristo histórico é confundido com o Cristo cósmico, e uma função eterna do Verbo é representada como um fato temporal, pela simples razão de que Jesus foi uma manifestação desse Verbo; o que equivale a dizer que, no mundo em que ocorreu, ele foi de fato a encarnação única do Verbo. Outro exemplo é a divergência entre cristãos e muçulmanos sobre a morte de Cristo: além do fato de que o Alcorão, por sua aparente negação disso, está basicamente apenas afirmando que Cristo não foi realmente morto — o que não é apenas óbvio para a natureza divina do Deus-Homem, mas também verdadeiro para sua natureza humana, já que ele foi ressuscitado — a recusa muçulmana em admitir a Redenção histórica, ou seja, os eventos que, para a humanidade cristã, são a única expressão terrena da Redenção universal, significa, em última análise, que Cristo não morreu pelos “sãos”, que aqui são os muçulmanos, na medida em que se beneficiam de outra forma terrena da Redenção única e eterna; em outras palavras, se em princípio Cristo morreu por todos os homens — assim como a Revelação islâmica é dirigida principalmente a todos —, na verdade ele morreu apenas por aqueles que se beneficiam, e devem se beneficiar, dos meios de graça que perpetuam sua obra redentora; agora a distância tradicional do Islã em relação ao Mistério Crístico deve exotericamente assumir a forma de uma negação, assim como o exoterismo cristão deve negar a possibilidade de salvação fora da Redenção realizada por Jesus. Seja como for, uma perspectiva religiosa, embora possa ser contestada ab extra, ou seja, de acordo com outra perspectiva religiosa, pertencente a um aspecto diferente da verdade em consideração, é, no entanto, incontestável ab intra, no sentido de que, sendo capaz de servir como um meio de expressar a verdade total, é a chave para ela; portanto, nunca devemos perder de vista o fato de que as restrições inerentes ao ponto de vista dogmático estão em sua ordem em conformidade com a bondade divina que quer evitar que os homens se desviem, e que lhes dá o que é acessível e indispensável a todos, sempre levando em conta as predisposições mentais da comunidade humana considerada.
- O exoterismo cristão não é estritamente análogo as exoterismos judaico e muçulmano
- Da relação entre a Nova e a Antiga Aliança
- Da divergência cristã-muçulmana a respeito da morte do Cristo
- O caráter essencialmente iniciático do Cristianismo sempre reconhecível por certos índices
- “Filho de Deus”, “Mãe de Deus”
- Da qualificação de “mistérios” dos dogmas cristãos
- “E a Luz brilhou nas trevas…”
- Da razão suficiente, do lado humano, de tal manifestação divina
- O Cristianismo, posto a nu do espírito oculto na letra, mas o Cristo “não lhes dizia nada sem parábolas”
- O único meio possível de operar o soerguimento espiritual cujo mundo ocidental teria necessidade
- Provas da existência de um esoterismo cristão, não somente no Novo Testamento, na natureza dos ritos, mas também nos testemunhos explícitos dos autores antigos
- São Basílio, Dionísio o Areopagita, (Longa citação de passagem de Paul Vulliaud em Études d’ésotérisme catholique et de F.T.B. Clavel em Histoire pittoresque de la Franc-Maçonnerie et des Sociétés secrètes anciennes et modernes)
- Precisões sobre a ideia que o Cristianismo representa uma “via de Graça” ou de Amor
- Fé e Amor, Fé e Graça, Fé e Milagre
- Esperança
- Caridade
- Do amor do próximo
- A Fé se opõe ao Conhecimento?