Schuon Cristo

Frithjof Schuon — CRISTO
Cristo



Excertos
O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA
-Da parte exoterista afirma-se, contra o esoterismo universalista, que a Revelação diz determinada coisa e, em consequência, deve-se admiti-la de modo incondicional. Da parte esoterista dir-se-á que a Revelação é intrinsecamente absoluta e extrinsecamente relativa, e que essa relatividade resulta da combinação de dois fatores: a Intelecção e a experiência. Por exemplo, que uma forma não pode absolutamente ser única no seu gênero — assim como o sol que, representando intrinsecamente o centro único, não pode excluir a existência de outras estrelas fixas — é um axioma da Intelecção, mas tem a priori apenas um valor abstrato. Pelo contrário, torna-se concreto pela experiência que nos põe em estreita relação, nessa circunstância, com outros sistemas solares do cosmo religioso, e que nos induz justamente a distinguir, na Revelação, um sentido intrínseco absoluto e um sentido extrínseco relativo. De acordo com o primeiro sentido, Cristo é único, e ele assim o disse; de acordo com o segundo, ele o disse na qualidade de Logos, e o Logos, que é único, comporta justamente outras manifestações possíveis.

-A ideia inicial de Cristo — caso seja possível assim nos expressarmos — é, com efeito, a de que a razão de ser da ação piedosa é a piedade da intenção e que, na ausência dessa piedade, a ação deixa de ser piedosa. É preferível realizar a piedade interior a concretizar sem o amor de Deus nem o do próximo, e até por hipocrisia, as manifestações ou os alicerces exteriores dessa piedade, pois esta tem justamente toda a sua razão suficiente no amor de Deus.

-Quando se fala em esoterismo cristão, só pode tratar-se de três coisas: primeiramente, da gnose cristã, baseada na pessoa, no ensinamento e nos dons de Cristo, e aproveitando-se eventualmente dos conceitos platônicos, o que em metafísica nada tem de irregular.

-No âmbito do Cristianismo, a ideia de que a redenção é a priori a obra intemporal do Logos dos princípios, não-humano e não-histórico; a ideia de que ela pode e deve se manifestar de diferentes maneiras em várias épocas e em diversos lugares; a de que o Cristo histórico manifesta esse Logos num determinado mundo providencial, sem que seja necessário ou possível delimitar esse mundo de maneira exata; essa ideia, dizemos, é esotérica em relação ao dogmatismo cristão e seria absurdo exigi-la da teologia.

-A união com Cristo implica na identidade com ele; e acrescentaremos que a união com a Virgem implica na identificação com o aspecto de doçura e de infinitude do Logos, pois a shakti do Absoluto é o Infinito; todas as qualidades e prerrogativas de Maria deixam-se reduzir às essências da divina Infinitude. Maria é uma dimensão de Jesus que ele expressou ao dizer: “Meu jugo é doce e meu fardo, leve”; aliás, há vantagens em dirigir-se a essa dimensão em particular a fim de atingir a totalidade. Do mesmo modo, a Virgem personifica nela mesma a Sabedoria informal, em virtude de ser a Mulher “vestida de sol” e a mãe da Revelação: ela é a Sabedoria sob seu aspecto de resplendor, portanto, de Beleza e de Misericórdia.

-Se no Vedanta shankariano e não-dualista é o Intelecto inato — a Consciência divina imanente — que opera a reintegração no Si-mesmo, no Cristianismo, esse Intelecto salvador exterioriza-se e personifica-se em Cristo e, em segundo lugar, na Virgem. 2° No Hinduísmo, esse mesmo papel cabe, segundo diferentes pontos de vista e, às vezes, combinados, ao grande avatara ou à sua shakti, ou ao guru. A função do Cristo heroico é despertar e manifestar o Cristo interior; mas, a exemplo do Logos que Jesus manifesta humana e historicamente, o Cristo interior ou o Coração-Intelecto é universal e, portanto, transpessoal. 3° Ele é “homem verdadeiro e Deus verdadeiro” e, em consequência, falando analogicamente, Maya e Atma, Samsara e Nirvana: jogo de velar e desvelar e Realidade imutável; drama cósmico e Paz divina.

-São Justino, o Mártir, faz com que se observe na Primeira Apologia que Cristo é o “primogênito de Deus” e “o Logos de que participa toda a raça humana”, e conclui: “Os que viveram de acordo com o Logos (= Intelecto) que está em todos os homens são cristãos — mesmo sendo chamados de ímpios —, como Sócrates, Heráclito e outros entre os gregos … Os que viveram pelo Logos e os que assim vivem agora são cristãos, sem temor e sem inquietação.”

-Na eventualidade de pessoas quase divinas, tais como Cristo e a Virgem, a inerência de um poder teúrgico no menor objeto que tenha estado em contato com eles é perfeitamente evidente. Entretanto, esse poder não age às cegas: sua manifestação positiva ou negativa — conforme os casos — depende da natureza do indivíduo que dela se beneficia ou que a ela se sujeita e, também, de todas as espécies de circunstâncias, tanto subjetivas quanto objetivas.

-Para os cristãos, a verdade única é a seguinte: só Cristo salva; é essa unicidade objetiva que exige a totalidade subjetiva. Metafisicamente, a unicidade de Cristo significa que apenas o Logos pode nos salvar, ele que nos concebeu e é a porta entre o mundo e Deus. No fundo, aí está uma forma mais relativa de dizer que “não há deus exceto o único Deus”, portanto “nenhum bem exceto o único Bem”. Seja como for, é à Unicidade divina que o homem corresponde por sua própria totalidade, que não é outra senão o Coração ou o Amor.
Cristianismo-Islã
-A doutrina do Cristo, sendo uma mensagem de interioridade, de sinceridade e de informalidade, é por isto mesmo uma mensagem de relatividade naquilo que concerne as práticas exteriores; além disto, as prescrições que se contradizem de um religião a outra são forçosamente relativas, e elas se tornam tanto mais quanto o homem tem consciência desta relatividade de princípio.



Frithjof Schuon