Schuon (EPV) – Moral Esoterica e Exoterica

A diferença entre os pontos de vista exotérico e esotérico torna-se patente quando comparamos suas respectivas atitudes morais. Por parte do exoterismo, as virtudes facilmente dão margem aos preconceitos que, por excesso de zelo, opõem-se à realidade e, consequentemente, à inteligência. Por parte do esoterismo de princípio — aquele que é totalmente fiel à sua natureza —, “não existe direito superior ao da verdade”, como o estipula uma máxima hindu, e todo bem deve resultar da natureza das coisas e não dos nossos sentimentos, na medida em que estes perdem o seu vestígio. Do ponto de vista esotérico ou sapiencial, a humildade, por exemplo, não é o desejo de ser inferior nem a auto-sugestão de uma inferioridade que na realidade não tem, mas a consciência de uma inferioridade primeiro ontológica e depois pessoal — pois todo indivíduo possui limites e até mesmo defeitos — e essa consciência objetiva e desinteressada anula a ambição e a vaidade nas próprias raízes. Isto significa que o esoterismo, ou a sapiência, opera não por meio de uma tendência sentimental fomentadora de complicações inextricáveis, mas por meio do discernimento, consequentemente, fora de todo individualismo deformante e, aliás, inconfesso. A contradição — no entanto inevitável em seu nível — do exoterismo é a aspiração individualista à superação do orgulho individual; é querer realizar a objetividade mediante a subjetividade. Também o homem sentimentalmente humilde, portanto, humilde por zelo, deve afastar-se das situações lisonjeiras que são para ele tentações de orgulho, ao passo que o homem profundamente consciente da natureza das coisas nada tem a evitar, pois os erros não podem seduzi-lo.

Seja como for, essa distinção entre duas perspectivas concretas — pois não se trata de filosofia — certamente ficaria demasiado esquemática se não acrescentássemos que o homem continua sempre humano, isto é, que a atitude mais objetiva faz-se acompanhar justamente por um elemento subjetivo na medida em que esse elemento não compromete a objetividade; e que, pelo contrário, a atitude mais subjetiva é forçosamente provida de um elemento objetivo, uma vez que a humildade em si é função da verdade. Devemos considerar, também, as combinações entre essas duas perspectivas, pois acontece de um subjetivismo ser atenuado por um elemento de objetividade e, de modo contrário, um objetivismo ser agravado por um elemento de subjetividade; o yin-yang chinês, excluindo os seus demais significados, é um signo do homem ou, digamos, da complexidade da alma.

O que acabamos de falar sobre a humildade aplica-se igualmente à caridade e às demais virtudes, que, aliás, estão todas incluídas, de certa maneira, na humildade. O fato de o excesso de um bem ser um mal diz respeito não às virtudes em si, mas ao nosso esforço em atingi-las, pois esse esforço pode ser mal-inspirado; não pode haver excesso de virtude intrínseca, assim como não pode haver excesso de objetividade e, portanto, de verdade.

Frithjof Schuon