Schuon (EPV) – Quaternidade – Quadrado – Cruz

Quando se quer explicar a Realidade metacósmica do ponto de vista das Hipóstases numerais, pode-se, sem arbitrariedade, colocar o ponto final após o número três, que constitui um limite mais plausível, ainda por revelar, de certa forma, uma curvatura sobre a Unidade. Com efeito, ele exprime a Unidade em linguagem de pluralidade e parece querer impedir o desdobramento desta. Mas pode-se ir mais longe com não menos razão, como na verdade o fazem diversas perspectivas tradicionais.

Focalizada do ponto de vista do princípio da quaternidade, a Essência comporta quatro qualidades ou funções que refletem, na terra, o norte, o sul, o leste e o oeste. Graças a essa correspondência analógica, poderemos discernir com mais facilidade quatro princípios na própria Essência e, por consequência, no estado indiferenciado e latente — onde “tudo está em tudo” —, mas, evidentemente, a título da potencialidade de Maya. Primeiro, a Pureza ou a Vacuidade, a Exclusividade; segundo, no oposto complementar — trata-se simbolicamente do eixo norte-sul — a Bondade, a Beleza, a Vida ou a Intensidade, a Atração; terceiro, a Força ou a Atividade, a Manifestação; e quarto — é o eixo leste-oeste — a Paz, o Equilíbrio ou a Passividade, a Inclusividade, a Receptividade. No Corão, referem-se a esses quatro princípios os Nomes Dhul-Jalâl, Dhttl-Ikrâm, El-Hayy, El-Qay-yüm: o Possuidor da Majestade, da Generosidade, o Vivo, o Imutável. Esses nomes poderiam ser igualmente traduzidos pelas seguintes noções: A Pureza inviolável, o Amor transbordante, o Poder invencível, a Serenidade inalterável; ou a Verdade, que é Rigor e Pureza; a Vida, que é Doçura e Amor; a Força, que é Perfeição passiva.

A imagem da quaternidade é o quadrado ou, então, a cruz; esta é dinâmica e aquele, estático. A quaternidade significa a estabilidade ou a estabilização; representada pelo quadrado, ela é um mundo solidamente estabelecido e um espaço que fecha; representada pela cruz, é a Lei estabilizante, que é proclamada nas quatro direções, revelando, assim seu caráter de totalidade. A quaternidade estática é o Santuário que oferece tranquilidade de espírito; a quaternidade dinâmica é a resplandecência da Graça ordenadora, simultaneamente, Lei e Bênção. Tudo isto se encontra prefigurado em Deus, de maneira indiferenciada na Essência e de maneira diferenciada no Ser.

Estática, a Quaternidade é intrínseca, está, de certa forma, concentrada em si mesma e é Maya resplandecendo como Infinitude no seio de Atma Dinâmica, a Quaternidade resplandece, é Maya em sua função de comunicar Atma e de manifestar suas potencialidades. Neste caso, ela organiza o cosmo seguindo os princípios de totalidade e estabilidade — aí se encontra o sentido da quaternidade em si — e lhe infunde as quatro qualidades de que necessita para subsistir e viver. Temos aí o sentido dos quatro Arcanjos que, emanando do Espírito divino (Ruh), cujas funções representam, sustentam e governam o mundo.

A Quaternidade não passa de um desenvolvimento da Dualidade Atma-Maya, Deva e Shakti: a Divindade e seu Poder simultâneo de Vida interna e de Resplandecência teofânica.

Mas a quaternidade não se refere apenas ao equilíbrio; ela determina igualmente o transcorrer, portanto, o tempo ou os ciclos: existem as quatro estações, as quatro partes do dia, as quatro idades das criaturas e dos mundos. Esse transcorrer não pode ser aplicado ao Princípio, que é imutável; significa que é uma projeção sucessiva da quaternidade do principio e, consequentemente, extratemporal no cosmo. A quaternidade temporal tem um sentido sobretudo cosmogônico; contudo, permanece cristalizada nos quatro graus do desenvolvimento universal. O mundo material corresponde ao inverno, o mundo vital ao outono, o mundo anímico ao verão e o mundo espiritual — angélico ou paradisíaco — à primavera; e isso tanto no microcosmo quanto no macrocosmo.

A passagem da trindade à quaternidade efetua-se, se assim podemos dizer, pela bipolarização do ápice do triángulo, que comporta, virtualmente, uma dualidade em consequência de sua origem dupla; é a passagem do triângulo ao quadrado. A trindade é, por exemplo, o pai, a mãe e a criança; mas a criança não pode ser neutra, é forçosamente masculina ou feminina; se é uma, requer logicamente a presença da outra. De modo análogo, a oposição complementar entre o norte e o sul requer uma região intermediária que, por sua vez, bipolarizando-se, dá margem ao leste e ao oeste, este participando de certa maneira do norte e aquele do sul.

Esse processo do princípio de progressão repete-se no caso da quaternidade, assim como se repete para os outros números, mutatis mutandis: toda quaternidade é um quinario virtual e sua única característica consiste em o centro, por assim dizer, se encontrar projetado nas quatro estremidades: a quaternidade é o centro considerado em seu aspecto quaternário. Mas basta destacar o centro independentemente de seus prolongamentos para obter o quinario. Assim, quando se fala das quatro idades, o indivíduo que passou por elas está compreendido em cada idade. E a Terra está subentendida nas quatro estações pelas quais passou, sem o que as estações, assim como as idades, seriam abstrações.


A quaternidade divina reflete-se em cada uma das três formas do microcosmo humano: inteligência, vontade, sentimento; ou consciência intelectiva, volitiva e afetiva; ou, ainda, compreensão, concentração e conformidade ou virtude. Em vez de “sentimento”, poderíamos simplesmente dizer “alma”, pois trata-se da pessoa humana como tal, que, por definição, ama; ou mais precisamente que é capaz de incluir ou de excluir do seu amor fundamental as coisas que se apresentam à sua experiência.

Discernimos na natureza divina os quatro “pontos cardeais” seguintes: a Pureza, a Força, a Vida, a Paz; ou a Vacuidade que exclui, a Atividade que manifesta, a Atração que reintegra, o Equilíbrio que inclui. Mas a inteligência iluminada pela verdade — segundo sua razão de ser — comporta esses polos por sua capacidade de abstração, de discriminação, de assimilação ou de certeza, de contemplação ou de serenidade.

Sempre em conexão com a inteligência, precisamos focalizar ainda uma outra quaternidade, cujos elementos constitutivos são para as quatro qualidades descritas o que as regiões intermediárias são para os pontos cardeais. Esses elementos são, por um lado, a razão e a intuição e, por outro, a imaginação e a memória, o que corresponde aos eixos norte-sul e leste-oeste. A razão não gera a intelecção, mas a coesão, a interpretação, a ordem, a conclusão. A intuição, que é o seu oposto complementar, gera a percepção imediata, embora velada e mais frequentemente aproximativa, sempre no plano dos fenômenos externos ou internos, pois trata-se, aqui, do mental e não do puro Intelecto. Quanto à imaginação e à memória, a primeira é prospectiva e gera a invenção, a criação, a produção a um grau qualquer; a segunda, pelo contrário, é retrospectiva e gera a conservação, o enraizamento, a continuidade empírica. Poderíamos acrescentar aqui que a qualidade da razão é a justiça, que é objetiva; a da imaginação é a vigilância, que é prospectiva; e a da memória é a gratidão, que é retrospectiva.

Poderíamos dizer coisas semelhantes a respeito dos dois outros planos do microcosmo, a vontade e o sentimento, ou a alma volitiva e a alma afetiva, se preferirmos, mas nossa intenção não é aprofundar esta análise, que apresentamos apenas a título de aplicação e de exemplo.

Frithjof Schuon