Frithjof Schuon — SER
Excertos da obra de Schuon sobre o Ser.
O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA
-A acidência é o sujeito e o objeto contingentes; é a contingência, pois somente a Substância é o Ser necessário. A acidência é o mundo que nos cerca e a vida que nos envolve; é o aspecto — ou a fase — do objeto e o ponto de vista — ou o presente — do sujeito; é a nossa hereditariedade, o nosso caráter, as nossas tendências, as nossas capacidades, o nosso destino; o fato de ter nascido com tal forma, em tal lugar, em tal momento e estar sujeito a tais sensações, tais influências e tais experiências. Tudo isso é acidência e tudo isso não é nada, pois a acidência não é o Ser necessário; os acidentes são, por um lado, limitados e, por outro, passageiros. E o conteúdo de tudo isto, em última análise, é a Felicidade ;é ela que nos atrai graças a mil reverberações e sob mil artifícios; sem saber nós a queremos em todas nossas veleidades. Na acidência compressora e dispersante não somos verdadeiramente nós mesmos; nós o somos apenas no prolongamento sacramentai e libertador da Substância, sendo o verdadeiro ser de toda criatura, em última análise, o Si-mesmo.
-Isto significa que existe em Deus um primeiro Véu, ou seja, a tendência puramente principal e essencial à comunicação, portanto, à contingência, tendência esta que subsiste estritamente na Essência divina. O segundo Véu é, por assim dizer, o efeito extrínseco do primeiro: é o Princípio ontológico, o Ser criador que concebe as Ideias ou as Possibilidades das coisas. O Ser dá margem a um terceiro Véu, o Logos criador, que produz o Universo; e este também é, e de certa forma a fortiori, um Véu que dissimula e simultaneamente transmite os tesouros do Bem Supremo.
-A primeira Hipóstase que surgiu na Relatividade, ou seja, o Ser, o Princípio pessoal e criador, é a primeira Perfeição, no sentido de que Ele é a Perfeição Suprema.
-No Ser — o Ishwara dos vedantinos — o Absoluto dá margem ao polo determinativo e, por assim dizer, masculino ou paternal do Ser, Purusha, ao passo que a Infinitude se apresenta como o polo simultaneamente receptivo e produtivo e, por assim dizer, maternal do Ser, Prakriti. A nova Hipóstase daí resultante, no ápice ou mesmo no centro da Existência, portanto, aquém do Ser e na criação, é o Intelecto universal, Buddhi. É “o Espírito” já criado, no entanto, ainda divino e é, em suma, o prolongamento eficiente da Inteligência criadora e iluminadora de Deus na própria criação.
-A ideia do não-manifesto tem dois sentidos diferentes: há o não-manifesto absoluto, Parabrahma ou Brahma nirguna (“não-qualificado”), e o não-manifesto relativo, Ishwara ou Brahma saguna (“qualificado”). Esse não-manifesto relativo, o Ser na qualidade de princípio existencial ou matriz dos arquétipos, pode ser denominado “manifesto potencial” em relação ao “manifesto efetivo”, o mundo; pois, na própria ordem divina, o Ser é a “manifestação” do Superser, sem a qual a manifestação propriamente dita, ou a Existência, não seria nem possível nem concebível. Dizer que o não-manifesto absoluto é, simultaneamente, o princípio do manifesto — o mundo — e do não-manifesto relativo — o Ser — seria uma tautologia: sendo o princípio do Ser, o Superser é, implicitamente, o princípio da Existência. Do ponto de vista do não-manifesto absoluto, a distinção entre o manifesto potencial — que é o não-manifesto relativo e criador — e o manifesto efetivo ou o criado, portanto entre o Ser e a Existência, não existe. Do ponto de vista do Superser, não é nem uma complementaridade nem uma alternativa.