Schuon (EPV) – Shankara

Entre os que admitem o esoterismo ou, o que dá no mesmo, a philosophia perennis, sentindo-se emocionalmente solidários com tal clima religioso, é grande a tentação de confundir o sublime com o esotérico e de acreditar que tudo o que veneram diz respeito ipso facto ao esoterismo, a começar pela teologia e pela santidade. Para evitar qualquer confusão desse gênero, convém ter uma imagem precisa e não incerta do assunto tratado. Escolheremos como ponto de referência o exemplo do não-dualismo impersonalista e unitivo de Shankara, confrontando-o com o monismo personalista e separativo de Ramanuja. A perspectiva deste último, por um lado, é substancialmente semelhante aos monoteísmos semíticos e, por outro, a perspectiva de Shankara é uma das mais adequadas expressões possíveis da philosophia perennis ou do esoterismo sapiencial.

Segundo Shankara, a Realidade universal comporta graus, em virtude de um elemento de ilusão que os determina de diferentes maneiras. Atma, ou Brahma, é o único absolutamente real; é o Si-mesmo inefável e suprapessoal do qual derivam e participam todas as consciências relativas. Ele é oculto por Maya, que cria a ilusão da separatividade e da existência, portanto, do mundo, das criaturas, dos objetos e dos sujeitos. Diríamos, independentemente de Shankara, que essa Maya — que coincide com a relatividade ou a contingência — é uma emanação do Si-mesmo em virtude da infinidade deste último, isto é, que a infinidade exige, por sua natureza de certa forma transbordante, a expansão universal, enquanto a absolutez, pelo contrário, exclui, por definição, todo desdobramento e toda diversificação. Mas Shankara deixa em suspenso esta questão da origem metafísica de Maya e não fala desta a não ser de modo relativamente prático. Para ele, Maya é indefinível quanto à sua causa, mas o jnânt sabe que ela existe, visto que nela se encontra mergulhado; Ele sabe igualmente que ela é ilusória, uma vez que pode escapar-lhe; Ele obtém esta liberação pela discriminação intelectual e por uma concentração profunda e metódica sobre a sua própria essência, que, em última análise, não é outra senão o infinito Si-mesmo.

Shankara não cogita em negar a validade relativa dos exoterismos, que, por definição, se interessam pela consideração de um Deus pessoal. Este é o Absoluto refletido no espelho limitativo e diversificador de Maya; é Ishwara, o Príncipe criador, destruidor, salvador e punidor, e o protótipo “relativamente absoluto” de todas as perfeições. Esse Deus pessoal e todo-poderoso é perfeitamente real em si e, principalmente, em relação ao mundo e ao homem; mas não está menos ligado a Maya que ao Absoluto propriamente dito. Para Shankara, o monoteísmo personalista é válido e, portanto, eficaz no âmbito de Maya. Mas, como o espírito humano se identifica em sua essência — na verdade, dificilmente acessível — com o supremo Si-mesmo, é-lhe possível, com a ajuda da Graça, livrar-se da dominação da Ilusão universal e atingir sua própria Realidade imutável. A bhakti ou o amor da Divindade pessoal é, para o vedânti shankariano, uma etapa necessária para a Liberação — moksha — e até mesmo uma concomitância quase indispensável e bem natural do conhecimento supremo, o jnâna. Por um lado, o culto segundo o qual a transcendência encaminha o espírito para a consciência da imanência e, portanto, da identidade, por conseguinte, para a superação da dualidade e da separatividade; por outro lado, a consciência da transcendência e a bhakti que dela resulta estão intimamente ligadas à própria alma do homem. Quem diz “homem” diz bhakta e quem diz “espírito” diz jnani. A natureza humana é, por assim dizer, composta por essas duas dimensões semelhantes, mas incomensuráveis. Por certo, há uma bhakti sem jnana, mas não existe jnana sem bhakti.

A perspectiva shankariana coincide de modo substancial com o platonismo num sentido simultaneamente mais amplo e mais profundo, excetuando-se o fato de os platônicos darem mais ênfase à cosmologia, sem falar de outras diferenças evidentes, mas não essenciais.

Se Shankara representa o jnâna, Ramanuja é o grande porta-voz da bhakti isto não quer dizer que ele personifique e apresente o exoterismo puro e simples, pois há em sua perspectiva — como no exoterismo cristão — modos de esoterismo relativo, mas sua perspectiva global é, em todo caso, análoga às mensagens diretas e exotéricas dos três monoteísmos originários de Abraão. Para Ramanuja, a Divindade pessoal, o Deus criador e salvador, identifica-se com o Absoluto sem nenhuma restrição; segundo esse modo de ver, não há possibilidade de se considerar uma Atma ou uma Essência que transcenda uma Maya e, consequentemente, nem uma Maya que provoque ou determine a limitação hipostática de uma Essência. Vishnu cria o mundo, ou a série de mundos, por emanação, e ele os reabsorve após o término do respectivo ciclo. Mas não é este emanacionismo que nos interessa aqui, visto que não constitui um ponto de referência em relação às religiões monoteístas. A analogia está unicamente — ou sobretudo — no caráter pessoal da Divindade e, depois, na salvação pelo único amor de Deus, a bhakti, ou mais comumente a confiança nele, a prapatti, e, finalmente, na bem-aventurança eterna — para os eleitos revestidos de corpos celestes — no Paraíso de Vishnu. Como no Paraíso dos monoteístas semíticos, os eleitos participam intimamente, em vários graus, da natureza da Divindade, segundo o princípio “união sem confusão”; é a unio mystica, mas a criatura continua criatura. Aliás, isso é verdadeiro também para o não-dualismo shankariano, na medida em que considera a modalidade estritamente humana, que não pode “se tornar Deus”; “torna-se Deus” somente aquilo que já é, embora esta expressão, em suma contraditória, se revele uma elipse que abrange realidades incomensuráveis.

Frithjof Schuon